Publicado em: 18 de fevereiro de 2016



A barragem em Vitória do Xingu, julho de 2015. Foto: Rodolfo Oliveira
A compensação ambiental foi instituída a fim de indenizar danos ambientais que não podem ser evitados pelo empreendimento. Ora, o Estado do Pará sofre 100% dos terríveis impactos ambientais, sociais e econômicos, com o rio Xingu alterado, povos indígenas e populações tradicionais remanejados e com seu meio de vida bruscamente transformado, de forma irremediável, criação de bolsões de miséria, prostituição infantojuvenil, problemas de moradia e de saúde e violência galopante em razão da explosão demográfica causada pela UHE Belo Monte. Tem 42 unidades de conservação, tanto estaduais quanto federais, que enfrentam pressão de desmatamento e precisam muito de investimentos. Mas, ao invés de pelo menos cumprir seu papel, os órgãos ambientais federais preferem levar os recursos legitimamente devidos ao Pará a outro Estado da Federação, que não sofreu impacto algum com a obra.

A medida do governo federal não é ilegal, mas certamente abusiva. A justificativa é que quando a compensação ambiental passa de R$ 10 milhões é considerada de abrangência nacional, podendo contemplar toda a região hidrográfica onde está o empreendimento, dentro dos 5 mil quilômetros quadrados da Amazônia. Para se ter uma ideia do descalabro: R$ 80 milhões vão para o Parque Juruena(MT) a título de “regularização fundiária”. Mas o Pará é o recordista disparado em conflitos fundiários no Brasil. E carrega alguns outros tristes títulos, como o de campeão de mortes em conflitos pela terra.
O Relatório Final da CPI da Grilagem, apresentado em 29 de agosto de 2001, apontou a existência de mais 30 milhões de hectares grilados no Pará. Já o relatório final da Comissão Parlamentar de Inquérito realizada na Assembléia Legislativa do Pará, em 1999, concluiu que: “a situação é tão caótica e crítica que existem municípios cuja área registrada nos cartórios como imóveis particulares é superior à sua extensão territorial […]: ‗o município de Acará, com uma superfície de 854.200 ha, tem 1.040.112,7 ha registrados no cartório; Tomé-Açu, com uma superfície de 582.200 ha, tem 819.314,8 ha registrados em cartório; Paragominas, com uma superfície de 2.716.800 ha, tem 3.327.234 ha registrados em cartório; e, o caso mais clamoroso, Moju, que apesar de ter uma extensão territorial de 1.172.800 ha já tem registrado em cartório 2.750.080,4 ha, ou seja, já registrou até terrenos no céu.”
A grilagem de terras tem sido pano de fundo das mais variadas formas de violação dos direitos humanos no Estado do Pará, que incluem extração criminosa dos recursos florestais, práticas de trabalho escravo e assassinatos. São desrespeitados direitos humanos, econômicos, sociais e culturais. Conforme os registros da CPT (Comissão Pastoral da Terra, da CNBB Norte II), mais de 700 camponeses e outros defensores de direitos humanos foram assassinados nos últimos 30 anos no Pará, e a maioria envolve a prática de pistolagem. Nesse período, houve ainda 128 tentativas de assassinato e foram registradas 459 ameaças de morte. É trágico e crescente o padrão de violência no Pará: mais trabalhadores rurais foram assassinados no período 1995 a 2004 (169 ocorrências) do que nos primeiros quinze anos de ditadura militar (1964-1979), quando 89 trabalhadores foram mortos, precisamente os anos de mais intensa repressão aos movimentos populares. Os dados oficiais são ainda mais estarrecedores. No final de 2002, a Secretaria Especial de Defesa Social do Estado do Pará publicou estudo intitulado Inventário de Registros e Denúncias de Mortes Relacionadas com a Posse e Exploração de Terra no Estado do Pará 1980-2001. Neste levantamento, os dados referentes ao período 1995-2001 indicam 328 assassinatos no Pará em conflitos pela posse e exploração da terra. A fonte destes estudos são os registros criminais da Delegacia Especializada em Conflitos Agrários da Polícia Civil do Estado. A CTP expõe que, só de janeiro a setembro de 2011, aconteceram 9 assassinatos relacionados ao campesinato.
Como ninguém desconhece, o princípio fundamental é o direito à vida. Daí que agir contra esse direito significa violar os princípios dos direitos humanos, que passam pela garantia da dignidade, e que interessa a todo mundo proteger e garantir. A vida é comum a todos e tem o mesmo valor, mas a realidade mostra que este direito está sendo absurdamente violado. Contudo, o governo federal não parece enxergar esse cenário medonho, ao transferir recursos de direito e merecidos pelo Pará a outra unidade federativa.
Segundo o Imazon, por exemplo, o desmatamento na região da usina de Belo Monte foi 40% maior do que o previsto antes das obras.
Em 1940, o Pará tinha o 8º PIB per capita do País. Em 2013, passou a ser o 20º. O PIB hoje é 57% do PIB Nacional. Nos últimos 50 anos, a população paraense cresceu em 6,5 milhões de habitantes. O Estado é, como diz o próprio secretário Adnan Demachki, substancialmente extrativista e exportador de matéria-prima, e justamente quando busca novo modelo de desenvolvimento os recursos relativos à compensação ambiental da usina hidrelétrica de Belo Monte lhes são retirados.
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