Publicado em: 28 de maio de 2025
Véspera do 202º aniversário da Adesão do Povo Paraense à Independência do Brasil, ocorrida no dia 28 de maio de 1823, na heroica Vila de Muaná, no arquipélago do Marajó, a Academia Paraense de Letras (APL), pela primeira vez na história deste país que se chama Pará, abriu as suas portas para receber a visitação da Irmandade do Glorioso São Sebastião de Cachoeira do Arari. Em sua saudação de recebimento o presidente da APL, Ivanildo Ferreira Alves, sublinhou a historicidade da devoção marajoara e o seu lugar de memória no realismo mágico de Dalcídio Jurandir. O diretor da Irmandade e assessor institucional do Museu do Marajó, Carlos Alberto Leão, usou da palavra para informar a respeito do registro da Festividade de São Sebastião em Cachoeira do Arari no patrimônio cultural imaterial brasileiro, pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) e sua importância cultural além da religiosidade para a região do Marajó como um todo. Explicou a função dos instrumentos da Folia e disse que no caso em tela o tambor se destaca, quando em geral a primazia cabe ao violão. Não vi o instrumento peculiar de origem indígena nas folias que assisti, que é o cheque-cheque feito de taboca que dá um som peculiar ao conjunto, sintetizando as diversas procedências da devoção. O tambor africano, naturalmente, dá um toque ancestral na folia do Glorioso São Sebastião.
Mas quem foi deveras o famoso Bastião, protetor da criaturada grande de Dalcídio? O santo grande que o povo marajoara respeita profundamente e recorre sempre em sua fé durante as necessidades da vida ao deus dará. O santo milagroso que irmana crentes e descrentes, desde seguidores dos voduns e orixás, católicos, evangélicos, espíritas e adeptos dos caruanas da pajelança marajoara. Sebastião veio ao mundo no dia 20 de janeiro do ano 256 d.C. Desde então a lenda e o fato se mesclam inseparavelmente, e os poderes político e eclesiástico disputam o controle com o sincretismo popular sobre a tradição Sebastiana, na qual a história do rei português Dom Sebastião e a saga do déspota esclarecido Sebastião José de Carvalho e Mello, célebre Marquês de Pombal, se confundem: a lenda do rei Dom Sebastião sobrevive nas Casas de Mina, que teve no Marajó o seu apóstolo antropólogo Nunes Pereira mentor de Dalcídio Jurandir; e o Marquês desafeto dos Jesuítas virou vodum nas sessões de umbanda desde Icoaraci e o Guamá, na grande área geocultural do Marajó.
O passado europeu de São Sebastião é desconhecido e não se sabe o sobrenome dele, terá ele supostamente nascido na França ou na Itália, seu pai era militar a serviço do imperador romano. Por este tempo, no Marajó, ainda não existia a primeira arte brasileira – a Cultura Marajoara -, que somente em torno do ano 400 viria a lume após cerca de três mil anos de povoamento humano das terras baixas do estuário amazônico. Segundo a arqueóloga Denise Shaan, os rudimentos da espiritualidade marajoara se revelam na iconografia da cerâmica ritual provavelmente de origem matriarcal. A cobra jararaca figura de maneira estilizada nas urnas funerárias cerâmicas sugerindo um esboço religioso sobre a vida e a morte. Levantando esta especulação filosófica por evidência da alma ancestral marajoara e substrato civilizatório da criaturada grande de Dalcídio, que deve ser principal motivo para repatriação da cerâmica marajoara e a criação da Universidade Livre do Marajó.
Acredita-se que Sebastião cresceu em Milão e que sua formação ocorreu no contexto da revolução ética cristã face à desconforme repressão imperial. Dizem ainda jovem ele partiu para Roma e que foi recrutado como soldado tal como o seu pai. Dotado de espírito de liderança, conquistou admiração entre camaradas e logo a sua fama nos quarteis chegou ao conhecimento do imperador Diocleciano, que o elevou ao posto de capitão da Guarda Pretoriana, responsável pela segurança da família do imperador. Mas sua fidelidade ao exército imperial diminuía diante da desumanidade do aparelho do estado pagão contra os cristãos.
O guarda imperial tinha acesso aos prisioneiros condenados à morte e ficava cada vez mais engajado em melhorar a situação daqueles infelizes. O capitão Sebastião logo foi objeto de suspeitas por seus superiores e também seus camaradas começaram a se interessar pelas conversas dele e assim alguns decidiram abraçar a fé em Jesus de Nazaré para se sentirem aliviados de seus escrúpulos de consciência. Acendeu a luz vermelha na Guarda Pretoriana. No mundo globalizado de hoje sob império do deus Dinheiro, o dilema subversivo de São Sebastião ainda está presente nas forças de repressão do estado contemporâneo. Não tardou para Sebastião ganhar fama de milagroso, de maneira que o prefeito de Roma, Cromácio, doente de reumatismo, foi curado pelo cristão e o curador batizou Cremácio, este não apenas não o puniu como passou a defender a causa cristã. Então, o papa Caio soube do acontecimento e aconselhou Sebastião a fugir e se refugiar da perseguição de Roma.
Mesmo ameaçado, o soldado de Cristo ficou e o perverso Diocleciano descobriu quem era o traidor de seu império e ainda assim, tentou fazer Sebastião se arrepender, ofereceu-lhe presentes e fez ameaças para ele desistir de sua fé. Como de nada adiantou, mandou matá-lo. O resto já se sabe, inclusive como sua devoção chegou ao Marajó, importada pelos Jesuítas.
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