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Força-tarefa resgatou 55 trabalhadores em condição análoga à de escravo na comunidade religiosa denominada Lucas, zona rural do município de Baião, no nordeste paraense, que também eram explorados em um bar localizado em Tucuruí, região sudeste do Pará, sem remuneração, benefícios sociais e trabalhistas, nem direitos previdenciários e dignidade humana.

A ação do Grupo Especial de Fiscalização Móvel contou com representantes do Ministério Público do Trabalho, Ministério Público Federal, Ministério do Trabalho e Previdência, Defensoria Pública da União, Polícia Federal e Polícia Rodoviária Federal, além dos Ministério da Cidadania e da Saúde e da Secretaria de Educação do Distrito Federal.

Durante as investigações, através de depoimentos e documentos apreendidos, o Grupo de Fiscalização Móvel descobriu que a comunidade foi fundada por um pastor de Belém, em 1997, que faleceu em dezembro de 2021, quando outros cinco pastores que já atuavam na associação criminosa assumiram de vez o papel de chefia. A comunidade funcionava, na prática, como organização econômica, com interesses definidos e sob o controle de pessoas que exerciam notório comando nas atividades dos demais membros, não havendo qualquer característica de associativismo, cooperativismo, trabalho voluntário ou serviço religioso.

O resgate dos trabalhadores considerou o contexto em que eles foram encontrados. “Quando nos deparamos com uma situação como essa, as vítimas são afastadas do local de trabalho e vão para o seu local de origem, mas neste caso eles já estavam em suas casas. Muitos, inclusive, nasceram ali e não tinham para onde ir. O resgate foi feito eliminando o elemento opressor, que são os líderes da comunidade, com as suas prisões”, explicou a procuradora do Trabalho Tathiane Nascimento.

O MPT está finalizando as investigações na esfera trabalhista e ajuizará ação civil pública para que os empregadores sejam devidamente punidos e os empregados tenham seus direitos garantidos, como verbas rescisórias e indenização por dano moral individual, entre outros benefícios legais. O MPT PA/AP esclareceu que a medida de proteção aos trabalhadores, crianças e adolescentes, por meio da ACP, não é só no sentido de firmar e aplicar a legislação trabalhista, mas também de reintegrar aquelas pessoas à sociedade.

Conforme relatos das vítimas, no início havia uma espécie de “regra igualitária” pela qual o resultado do trabalho de todos era dividido entre os participantes. Com o tempo, passaram a ser explorados e a mantidos sob guarda, poder e autoridade dos líderes, que se valiam do elemento religioso para coagir os trabalhadores e familiares deles a cumprirem suas ordens e satisfazerem as suas vontades, inclusive crianças e adolescentes, sob pena de punições físicas e morais, além de humilhação pública, que configuravam tortura.

Em 2015, os dirigentes da comunidade passaram a administrar um bar em Tucuruí, onde todos os adultos da Lucas trabalhavam em uma espécie de rodízio com a sede rural, em períodos que podiam durar desde alguns dias até meses, e ficavam alojados no próprio bar ou em casas mantidas no município. Também foram localizados integrantes da comunidade em duas movelarias, situadas nas duas cidades, que desenvolviam atividades no bar. Nenhum deles recebia salário, toda a renda era gerenciada pelos líderes, e não havia horário fixo para iniciar nem terminar os trabalhos.

“Constatamos que o trabalho análogo ao de escravo ocorria tanto no estabelecimento em Tucuruí quanto na comunidade Lucas, em Baião, havendo trânsito entre os mesmos trabalhadores nos dois locais. O ideal comunitário e religioso era utilizado para enganar e manter homens e mulheres presos a um círculo de pobreza e de exploração cruel em benefício de seus líderes. O grupo era convencido a permanecer no local acreditando que aquela era a melhor forma de se viver”, destacou a procuradora Tathiane Nascimento.

As vítimas eram submetidas ao trabalho forçado e obrigadas à cessão gratuita dos seus bens e direitos, como forma de viver bem e alcançar algum “privilégio espiritual”. Os líderes se apropriavam até de benefícios como seguro defeso, auxílio Brasil e salário-maternidade, dentre outros. Os depoimentos e materiais apreendidos também evidenciam repreensões cruéis contra aqueles que não seguiam as regras impostas. As penas aplicadas incluíam a obrigação de silêncio duradouro, raspagem da cabeça de mulheres e crianças, além de castigos físicos.

Os homens poderiam manter relações poligâmicas e as mulheres também eram utilizadas como objeto de premiação ou punição. Em caso de obediência aos líderes, os homens podiam ter uma ou mais mulheres. Mas na medida em que descumprissem, eles também poderiam ser punidos e deixar de ter uma. Durante essa troca, os filhos biológicos também eram levados e tinham suas mães trocadas. “Além da violência psicológica e da tortura, a ideia que se depreende do comportamento desses líderes é que as crianças cresçam sem essa noção de família para que permaneçam sempre à disposição como mão de obra de trabalho, em uma grave violação da dignidade da pessoa humana”, complementou a procuradora do Trabalho.

Os alojamentos dos trabalhadores não tinham condições básicas de segurança, vedação, higiene, privacidade e conforto, e contrastavam com o luxo das habitações dos líderes. Nos quartos que ficavam aos fundos do bar, por exemplo, havia escombros de construção e muito lixo. Alguns não possuíam armários, ficando os objetos pessoais dos trabalhadores espalhados pelo chão.

Na maioria dos cômodos havia fiação elétrica exposta, aumentando o risco de incêndio. Na área usada para lavanderia, a água escoava para um terreno baldio, formando lama e atraindo insetos, ratos, baratas e animais peçonhentos. Já nas duas movelarias inspecionadas, foram encontrados equipamentos e máquinas com irregularidades que acarretam situações de riscos graves e iminentes aos trabalhadores.

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