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Sabem aquela “fama” que os estrangeiros têm, no Brasil, de não tomarem banho? Pois então, segundo a Kantar Worldpanel, o brasileiro toma, em média, quatorze banhos por semana (ou dois banhos por dia), o que corresponde a quase o dobro dos outros países da pesquisa (Grã-Bretanha, Estados Unidos, Alemanha e China) onde a população toma, em média, cinco banhos por semana.

Este é um dado, no mínimo, curioso, pois segundo estudo do Instituto Trata Brasil, 12% das moradias brasileiras, o que corresponde a quase 9 milhões de lares, em 2022, não estavam ligadas à rede geral de abastecimento de água tratada. Na Amazônia, a maior bacia hidrográfica do mundo, onde só o rio Amazonas corresponde a 20% da água doce do planeta, este percentual sobe para 35%. No Pará, 43,4% das moradias não têm água tratada. Ainda assim, 99% dos brasileiros tomam banho todas as semanas, enquanto a média dos estadunidenses é de 90% e 83% dos britânicos. Os brasileiros são também os que tomam banhos mais demorados, com uma média de 10,3 minutos, e os únicos que preferem usar sabonete em barra em vez de líquido.

O problema de escassez de água é global. De acordo com relatório da UNICEF (Fundo das Nações Unidas para a Infância) e da OMS (Organização Mundial da Saúde), aproximadamente 2,2 bilhões de pessoas não têm serviços de água tratada, 4,2 bilhões de pessoas não têm serviços de saneamento adequado e 3 bilhões não possuem instalações básicas para a higienização das mãos em todo o mundo. Seria, então, a cultura de higiene dos brasileiros (que podem), uma das grandes responsáveis pela falta de água potável e acesso à água tratada no planeta? É claro que não.

Obviamente que devemos usar a água com a maior responsabilidade possível, mas só a pecuária, por exemplo, consome 20% da água mundial, entre o cultivo do alimento para os animais, limpeza das instalações, criação e abate, o que torna o uso hídrico neste setor, como é feito na maioria dos casos, insustentável, poris a maioria das organizações não garantem práticas responsáveis nas suas cadeias de abastecimento. Um relatório publicado revista Science mostra que a carne e os laticínios fornecem apenas 18% das calorias consumidas globalmente, entretanto equivalem a 83% das terras ocupadas e são responsáveis por 60% das emissões de gases com efeito de estufa pelo agronegócio. Também sabemos muito bem quem são os responsáveis pelas queimadas na floresta amazônica e no pantanal.

Portanto, antes de tomar menos banhos por dia (quem vive na “bréa” que é Belém, por favor, não!), repensar padrões de consumo alimentares e de bens – como roupas, por exemplo – é fundamental para que a vida continue possível na Terra. Também é fundamental cobrar as autoridades por obras que garantam o direito básico à água tratada e saneamento básico a toda a população, regulamentações que obriguem uma prática sustentável das grandes indústrias e também uma atitude que muita gente não reflete sobre, que é não dar notoriedade para quem parece não estar nem um pouco preocupada com a vida alheia e a coletividade, como é o caso da cantora estadunidense Taylor Swift – e não me refiro “apenas” ao fato de ela ter concordado em fazer um concerto em condições surreais para a plateia, que causou a morte de uma fã por causa do calor e falta de água, e de não ter dado nenhuma demonstração genuína de empatia com a vítima e sua família, só se pronunciando depois de muita cobrança da imprensa, mas também por ser, segundo um estudo da Yard, a celebridade que mais emite CO2 no mundo: uma média de 8.293,54 toneladas anuais, ou seja, 1.184,8 vezes a mais do que a média de uma pessoa “normal”. Só quando doer nos cofres da minoria que detém a maior parte do poder econômico no mundo é que teremos alguma chance de salvar a água e a vida humana na Terra.

Foto: user3802032/Freepik

Gabriella Florenzano
Cantora, cineasta, comunicóloga, doutoranda em ciência e tecnologia das artes, professora, atleta amadora – não necessariamente nesta mesma ordem. Viaja pelo mundo e na maionese.

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