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A desembargadora Eva do Amaral Coelho, relatora, rejeitou todas as alegações, no que foi seguida pelo desembargador Pedro Pinheiro Sotero e pelo juiz convocado Sérgio Augusto Andrade de Lima, da 3ª Turma de Direito Penal do Tribunal de Justiça do Pará, que manteve na íntegra o acórdão alvo de embargos de declaração do médico, empresário e ex-deputado estadual Luiz Afonso Proença Sefer, condenado por estupro de vulnerável, com várias agravantes, entre as quais pelo crime ter sido praticado contra uma criancinha, “encomendada” a dois homens de Mocajuba (PA), Estélio Guimarães e Joaquim Oliveira, e por ter sido perpetrado de forma continuada, estando a vítima sob sua autoridade. O processo se arrasta há treze anos por conta de sucessivos recursos protelatórios, e o advogado de Sefer, Roberto Lauria, declarou que recorrerá ao Supremo Tribunal Federal, mas não existe mais possibilidade legal de alterar a decisão. O Superior Tribunal de Justiça já decidiu com clareza solar sobre a questão, reconhecendo o acerto da decisão de primeiro grau e o TJPA, cumprindo determinação do STJ, também já decidiu de forma unânime quanto ao mérito e à dosimetria da pena, em julgamento no dia 20 de janeiro do ano passado: 20 anos de prisão em regime fechado, mais o pagamento de indenização por dano moral em favor da vítima, no valor de R$120 mil. Ademais, a tentativa de prequestionamento, que seria a base para poder guindar o processo ao STF, não foi aceita pelo TJPA.

A desembargadora Eva do Amaral Coelho fulminou a pretensão da defesa ao frisar que, no julgamento anterior, a 3ª Turma acolheu o voto do então relator, desembargador Mairton Marques Carneiro, de que não cabe ao TJPA conhecer da questão referente à suposta violação ao princípio do juiz natural, notadamente porque havia ordem expressa do STJ para que o julgamento examinasse única e exclusivamente as teses formuladas no recurso de apelação interposto por Sefer em 10 de setembro de 2010, cujas razões não trataram da questão. A magistrada apontou que a defesa suscitou a mesma tese expressamente rejeitada em três níveis distintos de jurisdição: pelo STJ, pelo relator em decisão interlocutória e, também, pela Turma, tudo com fim de prequestionar a matéria para a futura interposição de recursos extraordinários junto aos tribunais superiores. Mas a alegada violação ao princípio do juiz natural (Sefer sustenta que era deputado à época dos fatos e que deveria ter sido observada prerrogativa de foro) constitui matéria de competência do STF, onde está à espera de julgamento via agravo em recurso extraordinário. Acontece que, como a relatora enfatizou em seu voto, a Súmula 211 do STJ é claríssima ao estabelecer que é “inadmissível recurso especial quanto à questão que, a despeito da oposição de embargos declaratórios, não foi apreciada pelo Tribunal a quo”. E como a questão de ordem não foi requerida na apelação e, por isso mesmo, não enfrentada pelo TJPA, é descabido prequestionamento pela mera oposição dos embargos aclaratórios.

Entidades de defesa dos direitos humanos e das crianças e adolescentes acompanharam o julgamento de forma presencial no TJPA e cobraram do procurador de Justiça Hezedequias da Costa, representante do Ministério Público do Estado, o requerimento da prisão imediata de Sefer, mas ele não se pronunciou nem quis dar declarações à imprensa. As entidades denunciam as manobras sucessivas para que o processo fique parado até que Sefer complete 70 anos, o que está próximo, e assim a sua pena seja reduzida pela metade, quando certamente irá alegar alguma doença para garantir a impunidade. Também se movimentam para levar o caso à Corte Interamericana de Direitos Humanos, a fim de obrigar o Estado brasileiro a por um fim no processo, considerando que o desfecho não tem qualquer justificativa para demorar tanto. Por sua vez, corre a informação nos bastidores de que Sefer já estaria providenciando em Brasília a contratação do escritório da filha de um ministro do STF para atuar em sua

defesa.

Entenda o caso

Luiz Afonso Sefer foi denunciado em 2009 por Comissões Parlamentares de Inquérito da Pedofilia em três âmbitos – na Assembleia Legislativa do Pará, no Senado Federal e na Câmara Municipal de Belém, instaladas a partir das denúncias consistentes, durante anos, do bispo da Prelazia do Marajó, Dom José Luis Azcona Hermoso, acerca dos abusos e exploração sexuais cometidos contra crianças e adolescentes. Indiciado em inquérito policial, foi também denunciado pelo Ministério Público do Pará, que acatou os relatórios das três CPIs e do inquérito da Polícia Civil.

Conforme os autos, Luiz Sefer foi condenado por estuprar, durante quatro anos seguidos, uma criança de 9 anos em sua própria casa e sob sua guarda, além de agredi-la fisicamente e obrigá-la a ingerir bebida alcoólica. De início seus pares na Assembleia Legislativa foram solidários. Porém, ante a robustez das provas das acusações, seu partido pediu que se desfiliasse para evitar a necessária expulsão. Também foi obrigado a renunciar ao mandato de deputado estadual para não ser cassado, o que era iminente. No dia 8 de junho de 2010, foi sentenciado a 21 anos de prisão em regime fechado, pena aplicada pela juíza Maria das Graças Alfaia Fonseca, então titular da Vara Penal de Crimes Contra Crianças e Adolescentes de Belém, que acolheu o entendimento do Ministério Público, representado pela promotora de Justiça Sandra Gonçalves.

O processo foi ajuizado perante o Tribunal de Justiça do Estado, em razão da prerrogativa do foro, por envolver deputado. Após a perda do mandato, foi redistribuído à Vara Penal especializada, que ouviu vinte testemunhas do Ministério Público e da defesa, além de cinco informantes do juízo. A defesa de Sefer seguiu o roteiro de todos os estupradores, tentando desqualificar e desacreditar a vítima, inclusive alegando que a menina tinha sido abusada pelo próprio pai, como se esse terror fosse culpa dela.

No primeiro julgamento da apelação, em 06 de outubro de 2011, acolhendo voto do relator, desembargador João Maroja, a 3ª Turma do TJPA deu provimento ao recurso e absolveu Sefer “por insuficiência de provas da imputação”. Inconformada com a decisão, a assistente de acusação Luciana de Almeida Lima interpôs recurso especial junto ao STJ, julgado em 20 de março de 2018, quando o ministro relator Joel Ilan Paciornik anulou o acórdão absolutório proferido pelo TJPA e reestabeleceu a sentença condenatória, afastando a hipótese de insuficiência de provas e, ainda, ordenou expressamente que os autos retornassem à origem apenas para o exame das teses veiculadas no recurso de apelação, limitadas à dosimetria da pena aplicada.

Depois do retorno dos autos ao TJPA, a defesa de Sefer peticionou avulso em 29 de maio de 2018, formulando pedido atípico, intitulado “aditamento às razões da apelação”, no qual apresentou, a título de matéria de ordem pública, a tese da ilicitude da prova decorrente da ofensa ao princípio do juiz natural que, por sua vez, resultaria de inobservância de regra de competência pela prerrogativa de foro, o que ensejaria a nulidade da investigação e do processo criminal. Claramente a defesa tentava, tarde demais, o “gancho” de prequestionamento para esticar ainda mais a duração do processo, levando-o até o STF. Porém o processamento desse expediente foi indeferido por decisão monocrática liminar proferida em 14 de junho de 2018 pelo então relator, desembargador Raimundo Holanda Reis. A defesa interpôs agravo regimental pleiteando a retratação da decisão e, sucessivamente, o julgamento do aditamento. O feito passou a tramitar sob a relatoria do desembargador Mairton Marques Carneiro, que, em 20 de setembro de 2018, em despacho nos autos, ordenou o recebimento e processamento do pedido, e no dia 25 de abril de 2019, a 3ª Turma, por maioria, seguiu o voto exarado pelo relator e anulou todos os atos de investigação, inclusive o próprio processo criminal, ao fundamento de que não teria havido supervisão judicial do Tribunal para deflagração de persecução penal, regra esta exigida em relação às autoridades detentoras de prerrogativa de foro.

O Ministério Público ajuizou Reclamação junto ao STJ, visando cassar o acordão anulatório, alegando que a Turma descumprira a decisão anterior prolatada pela corte superior. No julgamento da Reclamação, em 27 de outubro de 2021, o STJ cassou o acordão anulatório e determinou de novo o retorno dos autos ao TJPA para que julgasse somente as teses formuladas na apelação originária, afastando totalmente a legitimidade do “aditamento das razões de apelação” ajuizadas pela defesa de Sefer, que interpôs recurso extraordinário em 13 de dezembro de 2021, ainda pendente de julgamento pelo STF em sede de agravo.

Na leitura de seu voto, a desembargadora Eva do Amaral Coelho observou que, em 29 de novembro de 2021, mesmo após a cassação do acordão anulatório pelo STJ e com ordem expressa para julgamento da apelação com celeridade, a defesa de Sefer fez outro peticionamento avulso, instando novamente a 3ª Turma a se manifestar acerca da apontada violação ao princípio do juiz natural, indeferido, liminarmente, pelo relator em decisão interlocutória proferida em 10 de janeiro de 2022. Foi, então que, no terceiro julgamento da apelação, em 20 de janeiro de 2022, que a 3ª Turma ratificou o decreto condenatório e reduziu a pena definitiva a vinte anos de reclusão, mantido o início de cumprimento da pena no regime fechado e o valor indenizatório fixado a título de reparação civil pela juíza de origem. Por fim, houve a oposição dos embargos aclaratórios, nos quais a defesa suscitou tudo de novo. Agora, após o trânsito em julgado, ocorre necessariamente a fase executória, que culmina com a prisão.

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