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Era um conturbado 3 de outubro de 1834 quando, extintos os Conselhos de Províncias pelo Ato Adicional de 1834, aprovado pela Lei nº. 16 de 12 de agosto, foi instalada no Pará a primeira Assembleia Provincial, no Convento das Mercês. Eclodia naquele ano a Cabanagem, revolta popular contra as péssimas condições de vida.

A primeira legislatura da Assembleia Provincial na Província do Pará contou com 28 membros e Ângelo Custódio Corrêa foi o deputado mais votado, pelo que cabia-lhe, também, o cargo de Vice-Presidente da Província. A Cabanagem não permitiu que os deputados eleitos tomassem posse, pelo que a Assembleia Legislativa só pôde começar suas atividades em 1838. A primeira sessão foi realizada no dia 2 de março, tendo feito o discurso de abertura o então presidente da província, Marechal Francisco José de Souza Soares D’ Andrea. Como previa a Constituição da época, os trabalhos da Assembleia duraram dois meses, até 15 de maio de 1838.

Não por acaso, como se percebe, o prédio sede da Alepa, no coração da Cidade Velha, em Belém, recebeu a denominação Palácio Cabanagem. Todo o entorno foi palco sangrento do movimento cabano. Nas escadarias do Palácio Lauro Sodré, antigo Palácio do Governo, hoje Museu do Estado, o governador da época foi assassinado pelos cabanos.

Em 1974, quando era presidente da Alepa, o então deputado Gerson Peres pediu ao artista plástico Benedicto Mello – um dos maiores expoentes do Pará – que criasse um painel para ser instalado no plenário Newton Miranda e assim eternizar os trágicos acontecimentos que antecederam e durante a Cabanagem, expressão máxima da história parauara, em um local no qual atua a representação política popular. Benedicto Mello pintou, então, o quadro de inestimável valor histórico e artístico intitulado “Cabanagem”.

Utilizando a pesquisa histórica de um conjunto de intelectuais paraenses, entre os quais Augusto Meira, De Campos Ribeiro e Carlos Rocque, Benedicto Melo conseguiu contribuição da maior importância para chegar à concepção final do quadro, que ganhou impressionante realismo. No primeiro plano, ao centro da obra, aparece a figura de um oficial, de costas. Trata-se do mercenário inglês John Grenfell, contratado para vir a Belém submeter os revoltosos, e que aplicou um blefe afirmando que havia uma esquadra fundeada em Salinópolis, pronta para invadir a cidade, o que seria uma carnificina. Na parte frontal do quadro, o revolucionário Angelim é representado deitado, já morto. No lado esquerdo, um dos líderes cabanos, o polêmico cônego Batista Campos – ativista político, jornalista e advogado – é visto amarrado, como bucha de canhão (não foi executado por interferência de terceiros e receio de recrudescer a revolta. Grenfell, após submeter os líderes revoltosos, colocou cerca de trezentas pessoas dentro do brigue “Palhaço” e jogou cal em cima, todos morreram sufocados e no dia seguinte boiaram os corpos na baía de Guajará. Na obra de Benedicto Mello, a embarcação e as pessoas torturadas são retratadas, pedindo clemência, em vão. Há um fundo escuro, é o momento em que estão no porão do navio. Na parte posterior do painel, a igreja das Mercês, onde era o Trem de Guerra e muita gente morreu, surge imponente. Pode-se ver um incêndio, havia um amontoado de pessoas mortas. Mais em cima, as figuras dos vitoriosos da Cabanagem largando os grilhões que os escravizavam. E as bandeiras representando o fim do trágico confronto.

O artista plástico e restaurador Sérgio Mello, filho do autor da tela e responsável por seu restauro, conta que para a pintura foi utilizada uma resina acrílica sobre tela de linho, e na ocasião em que foi criada esse material só existia no Brasil em São Paulo. Todo o trabalho de restauro foi feito com extremo cuidado e guardou as características da tinta e policromia original.

Foram noventa dias de um serviço delicado e minucioso. Toda a tela – principalmente seu lado esquerdo – estava deteriorada. O quadro estava há muitos anos no antigo plenário da Alepa, que virou o auditório João Batista, em uma parede na qual um vazamento do banheiro do gabinete instalado no andar de cima escorria durante anos. O difícil trabalho de restauro e recomposição começou em abril de 2018, mas foi interrompido logo no início de 2019 e só este ano foi retomado, quando o presidente da Casa, deputado Chicão, teve a sensibilidade de preservar e salvaguardar esse patrimônio histórico, artístico e cultural, que marca aquela que foi a principal referência histórica do Estado do Pará.

“Foi uma verdadeira demonstração cívica do presidente Chicão, de respeito à cultura, de consciência do valor do patrimônio histórico. Propago seu ato como exemplar de um gestor compromissado com o resgate e ressignificação do valiosíssimo acervo do Poder Legislativo”, salientou Sérgio Mello, revelando ainda que, para a execução do painel, Benedicto Mello usou como modelos os próprios filhos, que eram sete. Sérgio posou para seu pai pintar o cônego Batista Campos. De autoria do grande Benedicto Mello há mais vinte e sete painéis em varias técnicas, como pedra, concreto e ferro, além de esculturas, espalhados em vários órgãos públicos estaduais em Belém do Pará.

Confiram nas fotos a tela e o estado em que ela estava antes do restauro.

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