O ministro da Justiça e Segurança Pública, Anderson Torres, não compareceu e nem mandou representante para a audiência pública da Comissão de Direitos Humanos, em conjunto com a Comissão Temporária sobre a Criminalidade na Região Norte, ambas do Senado, que estava marcada para ontem (21) às14h, em Brasília, a fim de debater as causas do aumento da criminalidade e de atentados contra povos indígenas, quilombolas, ribeirinhos e jornalistas. O encontro também cobraria providências diante dos assassinatos do indigenista Bruno Araújo e do jornalista inglês Dom Phillips. Pela manhã, em outra audiência conjunta das duas comissões, representantes de entidades indigenistas apontaram que a chacina de Bruno Araújo e Dom Phillips não é fato isolado e está em um contexto de criminalidade crescente na região Amazônica. Foi denunciado o desmatamento acelerado no país e a omissão do governo federal no combate a atividades criminosas no setor, além do desmonte das instituições responsáveis pela repressão a crimes ambientais e pela proteção dos povos indígenas.
O presidente do Indigenistas Associados (INA), Fernando Vianna, disse que Bruno e Dom foram barbaramente assassinados na mesmíssima área da execução, em 2019, de Maxciel Pereira dos Santos, ex-servidor e então colaborador da Funai, por conta de seu trabalho de fiscalização no combate a atividades criminosas. “Há todo um quadro de invasão de pessoas que ingressam nas terras para atividades ilegais. Junto com os crimes ambientais mais costumeiros, como pesca e caça ilícitas, há articulações com forças do crime muito mais complexas, com conexões com o narcotráfico internacional e o comércio de armas”, relatou, acusando a diretoria da Funai, de ser comprometida com interesses econômicos e de setores que disputam a posse de terras e querem se apoderar de recursos naturais.
Além de pedir aos senadores que ajudem na articulação com o Ministério da Justiça, já que os servidores da Funai estão em estado de greve, e à Polícia Federal uma investigação mais ampla dos assassinatos de Dom e Bruno, o representante da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja), Eliésio Marubo, afirmou que todos os diretores da Univaja estão marcados e ameaçados de morte. “Gostaria muito de ouvir o que a Funai tem a dizer. O que o MP fez com tantas denúncias que temos feito? É importante esse acompanhamento da comissão, para darmos respostas às famílias e à sociedade. Certamente teremos mais casos na região. Continuaremos de cara limpa brigando pelos nossos parentes [tratamento entre indígenas que independe de parentesco] e exigindo que o Estado cumpra sua obrigação”, advertiu.
Eliésio Marubo explicou aos parlamentares a situação do indigenista Bruno Araújo, que havia pedido licença da Funai, depois de alegar estar sendo perseguido pela cúpula da instituição. “Ele nos relatava muito a perseguição sofrida pela atuação dele contra principalmente a caça e pesca ilegais. São atividades com reflexo no mundo político. Quem realiza essas condutas aparentemente simples, porém ilegais, são famílias grandes, que têm títulos de eleitor. E os políticos locais, que têm seus padrinhos, precisam demonstrar apoio”, acusou.
Por sua vez, o coordenador-geral substituto de Índios Isolados e Recém-Contatados, Geovanio Oitaia Pantoja, informou que a Funai soube do desaparecimento de Bruno e Dom na segunda-feira (6 de junho) pela manhã e, no mesmo dia, entrou nas buscas, que já estavam sendo feitas desde o domingo pela Univaja. Ao questionar o desempenho da fundação no Vale do Javari e de quantas operações de fiscalização ele havia participado, o senador Randolfe Rodrigues reagiu com fúria ao constatar que Geovanio estava em Brasília, mas participava da audiência pública por meio virtual. “Ele está aqui em Brasília falando conosco por via remota! O senhor estar falando daqui é um desrespeito a esta comissão!”, bradou. E sugeriu que Geovanio seja convocado para prestar mais esclarecimentos. O comparecimento presencial de Geovanio foi requisitado igualmente pelo vice-presidente da comissão temporária, senador Fabiano Contarato.
Ao final da reunião, o senador Humberto Costa deu a palavra a lideranças indígenas que participaram da audiência. Em comum, elas prestaram solidariedade às vítimas; cobraram demarcações de terra; criticaram a atuação da direção da Funai; denunciaram crimes; e pediram garantias efetivas aos direitos consagrados pela Constituição.
As comissões também receberam dos ativistas um documento da Univaja contendo as denúncias feitas a diferentes órgãos e entidades locais e federais. Os senadores informaram que vão enviar comunicado a cada uma das autoridades que em algum momento recebeu denúncias e cobrar providências sobre o que foi feito desde então.
Randolfe lembrou que entre as denúncias feitas pela Univaja está um ofício de abril, já dando notícias sobre pesca ilegal na região com a participação de um homem conhecido como Pelado, agora um dos assassinos confessos de Bruno e Dom. “Esse ofício é quase uma premonição. Dá informações sobre quem faz a atividade ilegal, onde mora, como atua e que está armado. Não demorou 60 dias, mataram Bruno e Dom […]. Deixaram ocorrer esses homicídios, no mínimo, com a prevaricação criminosa do Estado brasileiro” lamentou.
A comissão externa da Câmara dos Deputados criada para acompanhar a investigação do crime no Vale do Javari vai fazer uma diligência no local onde Bruno Pereira e Dom Phillips foram assassinados, nos próximos dias, juntamente com a comissão do Senado criada para acompanhar as investigações.
Entre os requerimentos aprovados está um da deputada Joenia Wapichana, que solicita aos órgãos de segurança a proteção dos líderes das entidades indígenas que atuam no Vale do Javari. Muitos deles foram essenciais para elucidar o crime e, por isso, estão sendo ameaçados. Eles denunciaram e acompanharam a busca dos desaparecidos, deram orientação, ajudaram no mapeamento e nas informações que os policiais utilizaram para localizar os corpos e pertences das vítimas e até mesmo os culpados.
A comissão da Câmara decidiu, ainda, realizar uma série de audiências públicas para ouvir indígenas, familiares, indigenistas e pesquisadores sobre as condições do Vale do Javari. Também devem ser convidados a prestar esclarecimentos dirigentes de entidades governamentais como o Ministério da Justiça, a Funai e o Ibama, entre outros.
Um dia depois de localizar os corpos e anunciar a confissão dos assassinos de Dom Phillips e Bruno Pereira, a Polícia Federal emitiu nota anunciando que os assassinos agiram sozinhos, que não há um mandante ou organização envolvida no crime.
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