Após um ano de adiamentos, o Senado Federal está prestes a votar o projeto de lei que estabelece o marco regulatório da inteligência artificial (IA) no Brasil. Nesta terça-feira, 3 de dezembro, às 11h, a Comissão Temporária Interna sobre Inteligência Artificial (CTIA) se reunirá para analisar o relatório do senador Eduardo Gomes (PL-TO). Caso aprovado, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), pretende levar o texto ao plenário na quinta-feira.
Inicialmente, a comissão deveria concluir seus trabalhos até dezembro de 2023. No entanto, divergências internas, pressões de grandes empresas de tecnologia e as eleições municipais resultaram em cinco prorrogações do prazo. Recentemente, um acordo entre o governo e o relator, que pertence à oposição, possibilitou o avanço das discussões. Além disso, o interesse de diversos estados na regulamentação contribuiu para destravar o debate.
O Brasil tem a perspectiva de receber, nos próximos anos, mais de R$ 400 bilhões em investimentos para a instalação de centros de processamento de dados, conhecidos como data centers. A regulamentação da IA é vista como um passo crucial para oferecer maior segurança jurídica, atraindo investidores estrangeiros, especialmente devido ao potencial do país em energia limpa e renovável.
Dois pontos principais estavam emperrando o projeto: a percepção do setor produtivo de que a regulamentação seria excessiva em áreas de IA que não afetam a vida humana; e a preocupação de setores conservadores de que a responsabilização sobre o conteúdo poderia cercear a liberdade de expressão.
Em resposta, o relator fez ajustes e apresentou uma nova versão do texto na semana passada, que removeu regulações que aumentavam os custos na cadeia econômica de IA, focou as obrigações e medidas de governança em tecnologias consideradas de alto risco (ou seja, aquelas que impactam a vida humana e direitos fundamentais, como educação e segurança pública), e concedeu tratamento diferenciado para micro e pequenas empresas, além de startups.
Essas mudanças levaram entidades representativas de setores produtivos, como a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) e a Confederação Nacional da Indústria (CNI), que antes eram contrárias, a apoiarem a aprovação do texto.
Houve também flexibilizações na regulação das ferramentas de IA. Uma das mudanças é que o projeto não se aplica aos modelos “antes de serem colocados em circulação no mercado ou colocados em serviço”, reduzindo as obrigações para o desenvolvimento de novas aplicações.
A nova versão também prevê um regime regulatório simplificado para casos que envolvam “incentivo à inovação e à pesquisa científica e tecnológica no ambiente produtivo”, “projetos de interesse público” e aqueles que atendam às prioridades das políticas industrial, de ciência, tecnologia e inovação, além da solução de problemas brasileiros.
A avaliação preliminar, uma autoanálise feita antes da divulgação de um novo modelo, deixa de ser uma obrigação e passa a ser considerada uma “medida de boa prática”.
Paralelamente, Gomes dialogou com setores da oposição que temiam que a responsabilização das plataformas pelo conteúdo gerado por IA pudesse resultar em controle de conteúdo. O governo também atuou para evitar que o texto abordasse esse tema de forma que pudesse comprometer sua aprovação, como ocorreu com o projeto de regulação das redes sociais.
O relator manteve diretrizes baseadas em experiências internacionais e ressaltou que os desenvolvedores de IA terão sua liberdade de expressão garantida.
O projeto prevê a regulamentação da remuneração de direitos autorais, visando proteger os produtores de conteúdo. A nova versão do relatório mantém a previsão de remuneração de conteúdo para empresas pelo uso de suas obras, mas alterando a forma de cálculo. A nova versão estabelece critérios como “os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade”, além de elementos como a “complexidade do sistema de IA desenvolvido”, “o grau de utilização dos conteúdos” e “o valor relativo da obra ao longo do tempo”.
Outra mudança é que empresas classificadas como startups terão um prazo diferenciado para o pagamento dessa remuneração. Além disso, o princípio de proteção aos direitos autorais foi reforçado ao ser acrescentado entre os fundamentos da regulação, em um trecho que antes mencionava apenas a propriedade intelectual e o segredo comercial e industrial.
O relator destacou a necessidade de revisitar constantemente a lei, pois a inteligência artificial é um tema em constante evolução.
A espectativa inicial era de que o projeto fosse aprovado a tempo das eleições municipais, o que não aconteceu. Ele é considerado prioritário pelo governo e pelo Senado para o encerramento de 2024.
Foto: Roque de Sá/Agência Senado
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