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Ao findar o ano legislativo, o vereador John Wayne, presidente da Câmara Municipal de Belém, apresentou o incrível projeto de lei nº 110/2023, que “dispõe sobre a comercialização do café, tradicional “cafezinho”, nos bares, restaurantes e similares, no município de Belém, e dá outras providências” (sic). O projeto determina que os estabelecimentos ofereçam, obrigatoriamente, café amargo aos clientes, com a opção de adoçante e açúcar, “podendo” ser vendido nas duas maneiras.

Impressiona que tal iniciativa seja tomada enquanto o município está flagelado e fragilizado por problemas gravíssimos de saúde pública, transporte público insuficiente e ineficiente, falta de saneamento básico, acúmulo de lixo, alagamentos, zona de comércio desordenada e famílias inteiras desabrigadas e famintas nas ruas, para dizer o mínimo, além da já crônica falta de recursos, vez que a arrecadação despenca há pelo menos uma década.

O artigo 1º da Constituição Federal estabelece em seu inciso IV, entre os fundamentos da República Federativa do Brasil, a livre iniciativa. Por sua vez, o artigo 170, caput, prevê que a “ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos uma existência digna, conforme os ditames da justiça social (…)”. Merece ênfase que a livre iniciativa tem o seu âmbito de proteção alargado, acolhendo a liberdade econômica e a liberdade de concorrência, ambas coordenadas por fins sociais.

É particularmente relevante que a própria CF já estabeleceu limites à liberdade econômica, em especial sua função social, que, ao mesmo tempo em que representa importante elemento de justificação de sua fundamentalidade, opera como limite a ser observado, podendo servir de fundamento para intervenções restritivas em seu âmbito de proteção, o que certamente não é o caso do cafezinho em Belém do Pará.

Merece, por isso, o fantástico projeto do edil ser fulminado por padecer de inconstitucionalidade, técnica legislativa inadequada e total falta de interesse público. 

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