Menos de duas semanas antes da publicação do Ato Institucional (AI-5), que acabou com as liberdades democráticas no Brasil, o então presidente da República, general Arthur Costa e Silva reuniu com João Havelange, na época presidente da Confederação Brasileira de Desportos (CBD) — atual Confederação Brasileira de Futebol (CBF) —, e os dois fecharam um acordo que fez de Havelange um dos presidentes da Fédération Internationale de Football Association (FIFA) que mais tempo esteve à frente da entidade. A meta do investimento do Estado no futebol nacional era a aceitação popular do regime, já que o esporte era a representação nacional com maior poder simbólico junto ao povo, principalmente pelas conquistas da Copa do Mundo em 1958 e 1962. A informação está na dissertação de mestrado “A Bola e o Chumbo: Futebol e Política nos anos de chumbo da Ditadura Militar Brasileira”, apresentada na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP pelo cientista político Aníbal Chaim.
O primeiro resultado concreto do acordo com o governo militar foi a criação da Loteria Esportiva, que seria a principal fonte de recursos financeiros da CBD. “Com esse dinheiro, Havelange promoveu uma rigorosa preparação física para os jogadores da seleção de 1970. O principal objetivo do governo militar era associar-se ao sucesso do ‘Brasil’, fosse esse o país representado pelo Estado que dirigiam, fosse esse a seleção nacional de futebol. Não seria possível fazer propaganda de um time fracassado”, acentua o pesquisador.
O tricampeonato no México converteu o futebol brasileiro em valioso instrumento de promoção do regime militar, já sob o comando do general Emílio Garrastazu Médici, que assumiu a presidência da República em 1969. Após a conquista da Copa de 1970, Havelange lançou sua candidatura à FIFA e começou a promover excursões pelo mundo com a seleção brasileira e o Pelé, a fim de cativar potenciais eleitores para assembleia da entidade.
“Para chegar ao poder, ele teria duas alternativas: uma delas seria conquistar os presidentes das grandes confederações de futebol da Europa, o que seria uma tarefa muito difícil. A outra seria investir maciçamente no apoio de dirigentes esportivos dos países de terceiro mundo, ou seja, desafiar a hegemonia europeia na FIFA. Havelange optou pela segunda. A estratégia foi, então, utilizar o futebol brasileiro e seu astro maior, o ‘Rei Pelé’, como moeda de troca para a obtenção de votos dos países de terceiro mundo”, detalha Chaim.
“Para chegar ao poder, ele teria duas alternativas: uma delas seria conquistar os presidentes das grandes confederações de futebol da Europa, o que seria uma tarefa muito difícil. A outra seria investir maciçamente no apoio de dirigentes esportivos dos países de terceiro mundo, ou seja, desafiar a hegemonia europeia na FIFA. Havelange optou pela segunda. A estratégia foi, então, utilizar o futebol brasileiro e seu astro maior, o ‘Rei Pelé’, como moeda de troca para a obtenção de votos dos países de terceiro mundo”, detalha Chaim.
“A África foi o principal lastro de votos do Havelange na eleição de 1974 à FIFA. Estimou-se que, dos 68 votos recebidos por Havelange no dia da eleição, 30 eram oriundos do continente africano. Com a debandada de seleções como Inglaterra, Itália e Alemanha, o apelo esportivo do torneio foi baixo e se mostrou um fracasso financeiro, mas por outro lado gerou uma base de eleitores importantíssima para o pleito da FIFA em 1974”, revela Chaim.
O general Ernesto Geisel, que sucedeu Médici, desembolsou US$ 4 milhões para bancar o rombo que Havelange havia deixado na CBD. O regime militar começou a investigar a Confederação entre 1971 e 1972 e descobriu que o dinheiro da CBD financiava as excursões do Santos e da seleção fora do Brasil; além disso, por imposição de Havelange, era cobrado um preço inferior ao oficial. De acordo com o pesquisador, até mesmo Pelé, que havia celebrado uma aliança com Havelange, baixava em US$ 4 mil o valor de seu cachê em jogos internacionais do Santos que interessavam ao candidato brasileiro à FIFA.
“É importante salientar que a CBD teve, a partir de 1970, o dinheiro oriundo da Loteria Esportiva como principal fonte de financiamento. Foi com o dinheiro dessa loteria que a CBD promoveu a maioria de suas atividades desde o início do ano de 1970. Pelo fato de a Loteria Esportiva ser um programa do governo federal para apoio ao esporte do Brasil, o mau uso de sua verba poderia render a Havelange sérios problemas com o governo. O governo militar tinha plena consciência do uso privado da verba pública que era feito pelo máximo dirigente esportivo do país, mas mesmo assim não o repreendeu por isso.”
“É importante salientar que a CBD teve, a partir de 1970, o dinheiro oriundo da Loteria Esportiva como principal fonte de financiamento. Foi com o dinheiro dessa loteria que a CBD promoveu a maioria de suas atividades desde o início do ano de 1970. Pelo fato de a Loteria Esportiva ser um programa do governo federal para apoio ao esporte do Brasil, o mau uso de sua verba poderia render a Havelange sérios problemas com o governo. O governo militar tinha plena consciência do uso privado da verba pública que era feito pelo máximo dirigente esportivo do país, mas mesmo assim não o repreendeu por isso.”
Toda a pesquisa foi realizada a partir de informações de jornais, como a Gazeta Esportiva e Folha de S. Paulo.
* Com informações de Hérika Dias, da Agência USP de Notícias, originalmente publicadas no site Ecodebate.
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