0
 

“Eu era
secretário de A Província do Pará no dia 13 de dezembro de 1968, quando foi
baixado o Ato Institucional nº 5. Ali começava a ditadura descarada, aberta,
sem-vergonha em todos os sentidos.
Lembro-me
bem quando saí da sala do secretário, na verdade era um aquariozinho e fui lá
para trás, para o bar do Chico pegar um café e fiquei lendo o Ato
Institucional. Li e reli. Olhei ao redor e disse: acabou a imprensa no Pará.
Porque a partir daqui se já era ruim fazer jornalismo, agora vai ser
impossível. No dia 1º de janeiro de 1969, estava em São Paulo, achava que lá
teria alguma possibilidade de fazer jornalismo.
Esse
período no Estado de São Paulo até 1975, quando o jornal completou o centenário
e o general Geisel deu de presente a retirada dos censores, vivemos uma
experiência traumática para todo jornalista, que era o censor na redação. Soubemos
que o censor viria para a redação no Estado. O tempo todo ficávamos: cadê o censor?
Cadê o filho da mãe? À medida em que o tempo ia passando, o tratamento se
tornava mais agressivo. Depois estava- se perguntando se o censor tinha mãe.
Até que alguém gritou: “cadê esse filho daquilo?” Estava um advogado de vinte e
cinco anos, era o censor. Um advogado.
Então
aquele era o nosso inimigo. Isso é muito importante porque o trauma é forte,
mas sabemos quem era o inimigo; o inimigo não janta conosco, como no poema do
Drummond. Então, todas as manobras da redação, incluindo o dono que ficou cada
vez mais contra a censura, Júlio Mesquita Neto, foi contra aquele cidadão. Até
que houve a notícia da guerrilha, única notícia publicada pela imprensa
brasileira na época da censura, sobre a guerrilha do Araguaia.
Como
publicar a matéria? Foi acertado que os seis primeiros parágrafos seriam sobre
a ação cívico-social do Exército no Araguaia, altamente elogiosa pelos nossos
bravos guerreiros, tirando dente dos caboclos, dando vermífugo, etc. E a partir
do sétimo parágrafo vinha a matéria da guerrilha. Um contínuo que fornecia café
e água para o censor foi instruído para dizer que a matéria sairia no domingo.
Nessa época O Estado de São Paulo circulava com 360, 380 páginas, das quais 240
eram anúncios classificados; 12, 14, 15 cadernos de classificados. Coisa que
não existiria nunca mais. E o contínuo disse que numa das páginas dos classificados
tinha uma mensagem do Marighella. E o censor foi ler 240 páginas de anúncio,
porque os anúncios tinham que ir para o interior de São Paulo cedo, só depois
que ia o noticiário.
Quando
chegou o noticiário, só leu o cabeçalho que chamamos de título e os primeiros
dois, três parágrafos, não leu mais. E no domingo seguinte a matéria saiu
inteira.
Na
segunda-feira tinha um novo censor, novamente advogado, que disse a seguinte
frase ao se instalar na cadeira: “detesto contínuo, odeio café”.
Então,
esse era o inimigo, e contra ele valia tudo.”
Este é um
trecho do depoimento do jornalista Lúcio Flávio Pinto, prestado no dia 21 de
março de 2013 à Comissão da Verdade dos Jornalistas do Pará. Não percam, hoje,
mais uma oportunidade de participar do emocionante resgate da nossa História. A
Audiência Pública é aberta a todos.
 
Franssinete Florenzano
Jornalista e advogada, membro da Academia Paraense de Jornalismo, da Academia Paraense de Letras, do Instituto Histórico e Geográfico do Pará, da Associação Brasileira de Jornalistas de Turismo e do Instituto Histórico e Geográfico do Tapajós, editora geral do portal Uruá-Tapera e consultora da Alepa. Filiada ao Sinjor Pará, à Fenaj e à Fij.

Banalização do processo legislativo

Anterior

Licenciamento de lavra de bauxita

Próximo

Você pode gostar

Comentários