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Entre 2023 e 2024, o Pará registrou 103 casos de violência contra defensoras e defensores de direitos humanos, o maior número entre todos os estados brasileiros. A cifra representa 21,2% do total de 486 casos contabilizados nacionalmente no mesmo período, segundo a nova edição do relatório Na Linha de Frente – Violência contra Defensoras e Defensores de Direitos Humanos no Brasil (ISBN 978-85-62884-37-5), elaborado pelas organizações Justiça Global e Terra de Direitos.

O estudo alerta para o paradoxo que se impõe: o Pará, estado que sediará a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30) em 2025, é também o epicentro da violência contra quem protege a Amazônia e seus povos.

Dos 103 casos registrados no Pará, seis resultaram em assassinatos. Todas as vítimas estavam diretamente envolvidas em conflitos pela terra, território e meio ambiente. O estado figura como vice-líder em número de assassinatos, atrás apenas da Bahia, que contabilizou dez mortes.

A esmagadora maioria das pessoas atingidas no Pará (94%) eram defensoras ambientais. São indígenas, camponesas, quilombolas e integrantes de comunidades tradicionais que enfrentam as consequências de um modelo de desenvolvimento centrado na expansão do agronegócio, da mineração e do desmatamento. Para esses grupos, a luta por direitos está diretamente relacionada à preservação do território e dos modos de vida ancestrais.

“Os dados da pesquisa reforçam que a COP deve ser ponto de partida para enfrentar a crise climática com justiça, reconhecendo o papel dos defensores e garantindo sua participação efetiva”, afirma Darci Frigo, coordenador executivo da Terra de Direitos.

O relatório também documenta a intensificação de estratégias de silenciamento via instituições do Estado e do sistema de Justiça. Ganha destaque a chamada “litigância predatória”, ou seja, ações judiciais promovidas por empresas contra lideranças comunitárias com o intuito de desmobilizar e intimidar.

Um exemplo emblemático é o da empresa Belo Sun Mineração LTDA, que ingressou com ação penal contra cerca de 30 pessoas no Pará, incluindo agricultores do Acampamento Nova Aliança, lideranças locais, pesquisadores e representantes de organizações da sociedade civil. A iniciativa foi classificada pelos autores do relatório como uma tentativa de criminalizar a defesa de direitos e o ativismo socioambiental.

Além das ações judiciais, os registros de violência incluem ameaças, atentados à vida, invasões domiciliares, perseguições e assassinatos. Mais da metade das ocorrências mapeadas no Brasil aconteceram no território ou na moradia das vítimas; 67% ocorreram em áreas rurais.

O levantamento evidencia a interconexão entre os conflitos socioambientais e a crise climática. Em sua maioria, os ataques recaem sobre quem atua na defesa da terra, dos territórios e do meio ambiente, elementos centrais na luta contra o colapso climático. O estudo também aponta que a maior parte das vítimas são negras, indígenas, mulheres, pessoas LGBTQIA+ e integrantes de grupos que historicamente sofrem com a marginalização social e institucional.

Segundo os dados, a violência contra defensores não ocorre de forma isolada, mas se insere em um contexto estrutural de desigualdade, ausência de políticas públicas efetivas e conivência institucional com práticas ilegais, como grilagem de terras, extração ilegal de madeira e mineração predatória.

O estudo Na Linha de Frente é produzido desde 2014 pelas organizações Justiça Global e Terra de Direitos. Esta edição atualizou a metodologia e baseou-se em fontes diretas, como entrevistas e denúncias públicas, para identificar padrões de violência institucional e privada. Os casos foram sistematizados entre julho de 2023 e junho de 2024.

A publicação visa visibilizar os riscos enfrentados por defensoras e defensores de direitos humanos no Brasil, cobrar respostas do Estado e fortalecer estratégias de proteção coletiva, sobretudo em regiões onde há histórico de impunidade e reincidência das violações.

Justiça Global é uma organização não governamental brasileira dedicada à promoção e proteção dos direitos humanos, ao fortalecimento da sociedade civil e à defesa da democracia. Atua por meio de quatro programas: Justiça Internacional; Proteção a Defensores/as de Direitos Humanos e da Democracia; Combate à Violência Institucional e Segurança Pública; e Justiça Socioambiental e Climática.

Terra de Direitos é uma organização de direitos humanos com atuação nacional e internacional, focada na defesa de direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais. Fundada em 2002, possui escritórios em Santarém (PA), Curitiba (PR) e Brasília (DF).

Em pronunciamento feito no dia 5 de março, a relatora especial da ONU para defensores de direitos humanos, Mary Lawlor, alertou que a Conferência do Clima tem sido historicamente um espaço hostil para ativistas e pediu que o Brasil reverta esse cenário. Lawlor ressaltou que o evento representa uma oportunidade histórica para a Amazônia, mas não pode ser marcado por insegurança e ameaças contra os que lutam por justiça social e ambiental. Ela instou o Estado brasileiro a garantir proteção e liberdade de expressão para os participantes, em especial aqueles que atuam na linha de frente da defesa de direitos.

Durante sua visita ao Brasil, Lawlor reuniu-se com cerca de 130 defensores e representantes governamentais em diferentes estados, entre eles o Pará, e apresentou suas observações na 58ª sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU, em Genebra. No relatório apresentado, recomendou três medidas prioritárias aos governos e demais poderes: demarcar terras indígenas e quilombolas para evitar conflitos, assegurar o direito ao consentimento livre, prévio e informado das comunidades em projetos de impacto, e fortalecer o Programa de Proteção para Defensores de Direitos Humanos. Entre os grupos mais expostos à violência, o relatório destaca lideranças indígenas, quilombolas, camponesas, mulheres defensoras, jornalistas e ativistas sociais e culturais. 

Gabriella Florenzano
Cantora, cineasta, comunicóloga, doutoranda em ciência e tecnologia das artes, professora, atleta amadora – não necessariamente nesta mesma ordem. Viaja pelo mundo e na maionese.

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