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A visão de um Brasil distópico em plena floresta amazônica num período em que as atenções internacionais se voltam para a pauta das consequências climáticas, é o foco certeiro do filme “O Último Azul”, de Gabriel Mascaro, que promete dobrar a semana de exibição para que o público possa conferir a ótima fase do cinema brasileiro contemporâneo. 

O diretor pernambucano imprime o olhar de fora da região, na tentativa bem-sucedida de ficar distante das propagandas oficiais que ocultam o lado periférico, carente de investimentos eficazes para a erradicação da pobreza aguda na região amazônica. A política de “desaparecimento” da população idosa, a loucura de sobreviver em condições de eterna adversidade e os pontos de fuga que desafiam a racionalidade são temas explorados pelo filme.

Aqui, o espectador se deixa levar pelas imagens deslumbrantes de rios caudalosos, em contraponto à falta de saneamento básico nas palafitas, plásticos, restos de pneus empilhados e outros dejetos poluindo as margens dos rios de água doce para a recriação de uma região de fim de mundo, um mundo que ainda não aconteceu, não deu certo e destoa do slogan “O futuro é para todos”.

É nesse contexto que conhecemos Tereza (Denise Weinberg), de 77 anos, funcionária de um frigorífico de jacarés num distrito industrial no coração da Amazônia. Ela recebe a notificação para se mudar para uma colônia de idosos. Caso não cumpra, será conduzida numa espécie de carrocinha de velhos (que lembra as antigas carrocinhas de cachorros de rua) para um lugar que não sabemos se realmente existe e o que é feito, de fato, com as pessoas da terceira idade, consideradas socialmente desnecessárias pela administração vigente.

A resistência aflora com o desejo de realizar o último sonho, acreditar numa experiência transformadora na rota das águas em que a precariedade das relações está por toda parte: nos arranjos de malandragem, alcoolismo, capitalização da miséria pela ação religiosa, jogos de azar e outros desafios confrontados por Tereza com os personagens Cadu (Rodrigo Santoro), Roberta (Miriam Socarrás) e Ludemir (Adanilo Reis). 

Um dos pontos de fuga reside na aposta de uma experiência que possa ir além da física, furar a bolha do entendimento cartesiano do mundo, se jogar sem rede de proteção ao desconhecido e literalmente apostar todas as fichas na vaga esperança de realizar um sonho de vida, talvez alforria num mundo declaradamente irracional.

Com filmagens nas cidades de Manaus, Novo Airão e Manacapuru, “O Último Azul” foi aclamado com o Urso de Prata na última edição do Festival de Berlim e retoma ao tema em que forças do estado totalitário podem provocar opressão, desespero ou privação, ideia já explorada por Gabriel Mascaro no excelente “Divino Amor”.

O trabalho de Gabriel Mascaro também pode ser conferido em “Boi Neon” (2015) e o polêmico documentário “Um Lugar ao Sol” (2010).

José Augusto Pachêco
José Augusto Pachêco é jornalista, crítico de cinema com especialização em Imagem & Sociedade – Estudos sobre Cinema e mestre em Estudos Literários – Cinema e Literatura. Júri do Toró - 1º Festival Audiovisual Universitário de Belém, curadoria do Amazônia Doc e ministrante de palestras e cursos no Sesc Boulevard e Casa das Artes.

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