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Nos últimos anos, o formato de cinebiografias musicais tem marcado presença nos cinemas brasileiros com os filmes sobre Gal Costa (“Meu Nome é Gal”), Elis Regina (“Elis”), Tim Maia (“Tim Maia”), Wilson Simonal (“Simonal”), entre outros medalhões da Música Popular Brasileira.
Em que pese a qualidade técnica dos filmes citados, as cinebiografias musicais sempre correm o risco da classificação chapa branca, ou por tentarem abarcar em formato reduzido (mesmo quando desdobrado em formato de série) a carreira monumental dos artistas, ou pelo cuidado excessivo de não tocar em assuntos polêmicos e desagradáveis, o que não é observado quando a abordagem do registro é realizada a partir do formato documentário, guardadas as devidas proporções.

Em “Homem com H”, a trajetória de Ney Matogrosso (interpretado por Jesuíta Barbosa sob a direção de Esmir Filho), opta pela linearidade narrativa para facilitar o entendimento cronológico da vida e obra de uma artista revolucionário, dono de potencial vocal único e categórico nas melhores respostas de programas de entrevistas sobre sua carreira e visão de mundo.

O desafio foi lançado e não se poderia esperar e nem comparar com o relato certeiro explorado pelo documentário “Olho Nu” (2012), de Joel Pizzini. Em “Homem com H” o formato é outro, com pelo menos doze revisões de roteiro com o próprio cantor, ou seja, estamos longe da abordagem livre de “Não Estou Lá” (2008, sobre Bob Dylan) e “Velvet Goldmine” (1998, sobre o glam rock), ambos dirigidos por Todd Haynes.

O formato da narrativa clássica, esquema todo certinho com começo, meio e fim em “Homem com H”, não faz jus à proposta ousada e constantemente reinventada quando o assunto é a arte de Ney Matogrosso. Por outro lado, o filme se esmera na qualidade de relatar os desafios (que não foram poucos) enfrentados pela hostilidade e fuga do convívio familiar, passando pela não aceitação à reprodução dos padrões arcaicos de relacionamento, ainda que pautados em relações entre iguais (supostamente ancoradas na vanguarda do momento vivido), porém reproduzindo afetos e sexo em relações tóxicas. 

Em termos de visibilidade, Ney Matogrosso foi pioneiro pela liberdade do não binário, da androginia e outras formas de autodeclaração. E Ney estava lá, no início dos anos de 1970 em plena era Médici do regime militar, numa resistência hippie, contracultural e pelo menos uns 100 anos na frente do próprio tempo, pela rebeldia com várias causas explícitas, pela irreverência artística e comportamental, pela negação ao que estava posto como norma geral.

A explosão dos Secos & Molhados ganhou o Brasil não pelo simples fato de ser exótico, mas principalmente pelo alto nível de adaptação literária para o formato de canções pop em apenas dois álbuns, registros que ficaram para sempre na história da MPB.

No filme, o espectador pode contemplar e se emocionar com as fases posteriores da carreira solo (mesmo com saltos no tempo), a partir “Água do Céu – Pássaro”, “Bandido”, “Feitiço”, “Destino de Aventureiro”, “Pescador de Pérolas”, o relacionamento com Cazuza e a posterior fase Rock Brasil 80, o advento da Aids, o amor livre para sempre, a reconciliação com o ente paterno e a fase contemporânea, com domínio de palco e a teimosia da integridade musical. Afinal, Ney Matogrosso nunca precisou levantar bandeiras, seja disso ou aquilo.

A direção de Esmir Filho (“Os Famosos e os Duendes da Morte”, “Tapa na Pantera”) cumpre o papel cinematográfico que jogar luz sobre a linguagem do corpo e a voz privilegiada de um artista visionário, que abriu portas para outros artistas e composições que abordam a diversidade e orientação sexual, como Ângela Ro Ro, o próprio Cazuza,  Liniker, Jaloo, Catto, entre outros e outras que despontaram no mercado musical com boas propostas estéticas, e alguns nem tanto, apenas surfando na crista da onda da diversidade de gênero e exibicionismo gratuito.

José Augusto Pachêco
José Augusto Pachêco é jornalista, crítico de cinema com especialização em Imagem & Sociedade – Estudos sobre Cinema e mestre em Estudos Literários – Cinema e Literatura. Júri do Toró - 1º Festival Audiovisual Universitário de Belém, curadoria do Amazônia Doc e ministrante de palestras e cursos no Sesc Boulevard e Casa das Artes.

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