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O que é a despedida diante da imortalidade? A pergunta articulada pela voz grave de Fernanda Montenegro convida o espectador a embarcar nas diversas travessias e tecidos musicais presentes no documentário “Milton Bituca Nascimento”, que está em clima de últimas exibições na pauta do circuito cinematográfico alternativo em Belém.

Milton Nascimento é um dos maiores artistas musicais de todos os tempos e o documentário dirigido por Flávia Moraes capta a turnê de despedida (dos palcos) “A Última Sessão de Música” com imagens em várias cidades do mundo, o que reflete a universalidade da música popular brasileira e o respeito e reconhecimento internacional de uma obra que ficará para sempre no imaginário cultural, independente de modismos e eventos de mercado que se instalam na pauta de entretenimento no Brasil e no mundo.

A tomada de decisão é de parar de tocar nos palcos, pois como artista Milton Nascimento sinaliza que estará sempre inquieto a produzir novos trabalhos. A pausa reflete a necessidade da continuidade dos tratamentos de saúde diante das limitações físicas de um artista gigante, dono de uma carreira musical forjada no período dos grandes festivais transmitidos pela TV nos anos de 1960, juntamente com a qualidade da produção musical de seus contemporâneos, o que remete ao período da bossa nova, Tropicália, a música conceitual popular brasileira dos anos de 1970, a pegada mais pop dos anos 80 e parceria com músicos internacionais e a resistência observada nas décadas seguintes até os dias atuais.

Aqui, temos a universalidade como arte livre dos apelos imediatistas e popularescos que hoje exaltam a performance sexista dos corpos e a parafernália dos efeitos dos grandes palcos que relegam ao segundo, terceiro, quarto plano a música e o trabalho dos músicos. A resistência pela qualidade ao longo de décadas é exaltada por amigos e admiradores como Caetano Veloso, Gilberto Gil, Chico Buarque, Sergio Mendes, Simone, João Bosco, Mano Brown, Djavan, Quincy Jones, Spike Lee, Paul Simon, Pat Metheny, entre outros.  

E aquela discussão se a música de Milton Nascimento é jazz ou MPB fica totalmente desnecessária quanto temos o conhecimento de que a própria universalidade da arte produzida por Milton tem influência da música erudita, das manifestações populares, do rock inglês, do jazz fusion, da música sacra e o que pode ser assimilado para a criação de um estilo único, uma voz facilmente reconhecível para canções inesquecíveis.

Outro ponto alto do documentário é identificar o processo de criação de obras seminais como “Morro Velho”, “Cais” (em parceria com Ronaldo Bastos), “Travessia” (com Fernando Brandt) e “Anima” (com José Renato). As parcerias são elementos que aglutinam e somam experiencias sonoras de forma coletiva, o que fica evidente nas obras-primas “Clube da Esquina”, “Clube da Esquina 2” e outros álbuns gravados em estúdio e ao vivo no Brasil e no mundo. 

Os documentários musicais têm cumprido o papel de trazer ao público documentos visuais e sonoros que não se esgotam com a edição final, proporcionando pesquisas sobre a riqueza da música popular produzida no Brasil. Diferentemente das cinebiografias que, por força do mercado e interferência dos produtores e famílias dos artistas, o documentário pode e deve ir mais longe, resgatar informações perdidas ou nunca divulgadas, jogar com ideias e suscitar a curiosidade do público sobre o artista e seu legado.  

Um detalhe que não pode passar ignorado: o som do Cine Líbero Luxardo. Durante a exibição do filme, algumas passagens ficaram inaudíveis ou sem compreensão por parte do público (inaceitável em tempos de transmissão digital), o que não comprometeu o brilho da sessão e a resposta empolgada do público ao final da projeção, com aplausos e “Viva Bituca”.

José Augusto Pachêco
José Augusto Pachêco é jornalista, crítico de cinema com especialização em Imagem & Sociedade – Estudos sobre Cinema e mestre em Estudos Literários – Cinema e Literatura. Júri do Toró - 1º Festival Audiovisual Universitário de Belém, curadoria do Amazônia Doc e ministrante de palestras e cursos no Sesc Boulevard e Casa das Artes.

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