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Corroborando as decisões da lavra do
ministro Carlos Ayres Britto, que são um marco no ordenamento jurídico pátrio, e
um farol a iluminar a liberdade, o ministro Celso de Mello, decano do STF,
deferiu medida liminar na Reclamação –RCL 15243
para suspender decisão do TJ-RJ que condenou um jornalista a pagar
indenização por dano moral, no valor de R$ 250 mil, por publicações
supostamente ofensivas em seu blog. A concessão da liminar se baseou na decisão
proferida pelo STF na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF)
130, na qual a Corte declarou que a Lei de Imprensa (Lei 5.250/67) é
incompatível com a Constituição Federal. O ministro também destacou a Declaração
de Chapultepec – cujo
19º aniversário, coincidentemente, foi em 11 de março de 2013 –, que enfatiza que o exercício da
liberdade de imprensa “não é uma
concessão das autoridades”, e sim “um direito inalienável do povo
”.
Ao apreciar o pedido, o ministro Celso de Mello sustentou
a magnitude de ordem político-jurídica da questão, sobretudo diante dos
aspectos constitucionais analisados no julgamento da ADPF 130. Nele, “o STF pôs em destaque, de maneira muito
expressiva, uma das mais relevantes franquias constitucionais: a liberdade de
manifestação do pensamento, que representa um dos fundamentos em que se apoia a
própria noção de Estado democrático de direito
”, assinalou.
A Declaração de Chapultepec, adotada em março de 1994
pela Conferência Hemisférica sobre Liberdade de Expressão, consolidou
princípios essenciais ao regime democrático e que devem ser permanentemente
observados e respeitados pelo Estado e por suas autoridades e agentes, “inclusive por magistrados e Tribunais
judiciário
s”, frisou o ministro.
O exercício concreto, pelos profissionais da imprensa, da
liberdade de expressão, para Celso de Mello, “assegura ao jornalista o direito de expender crítica, ainda que
desfavorável e em tom contundente, contra quaisquer pessoas ou autoridades
”.
No contexto de uma sociedade democrática, o ministro considera “intolerável” a repressão estatal ao
pensamento. “Nenhuma autoridade, mesmo a
autoridade judiciária, pode estabelecer padrões de conduta cuja observância
implique restrição aos meios de divulgação do pensamento
”, lecionou,
citando, ainda, precedentes neste sentido do Tribunal Europeu de Direitos
Humanos.
Após sentença do juízo da 23ª Vara Cível do Rio de
Janeiro que julgou improcedentes pedidos de indenização por
danos materiais e morais, o TJ-RJ, ao julgar apelação, deferiu o pedido de
indenização, por entender que configura dano moral “a divulgação de matéria jornalística com viés pejorativo, ofensivo à
honra e à imagem da pessoa alvejada, independentemente de prova objetiva do
abalo a sua honra e a sua reputação
”. Na sequência, a defesa do jornalista
interpôs Recurso Especial para o STJ e Recurso Extraordinário para o STF.
Na Reclamação 15243, a argumentação principal foi a de
que a condenação violou o entendimento do STF na ADPF 130 relativo à liberdade
de expressão. O valor exorbitante fixado pelo TJ-RJ restringe o exercício da
atividade jornalística, utilizando-se do viés financeiro para inibi-lo e,
consequentemente, censurá-lo.
Disse o ministro, numa bela aula de cidadania e justiça, que deve ser
ouvida e lida por aqueles que não conseguem aceitar críticas nem conviver a não
ser com os áulicos:
Tenho sempre destacado , como o fiz por ocasião do julgamento da ADPF 130/DF, e, também, na linha de outras decisões por mim proferidas no Supremo Tribunal
Federal (
AI 505.595/RJ, Rel. Min. CELSO DE
MELLO –
Pet 3.486/DF , Rel. Min. CELSO DE
MELLO,
v.g.), que o conteúdo da Declaração de
Chapultepec
revela-nos que nada mais nocivo, nada mais perigoso do que a
pretensão do Estado de regular a liberdade de expressão (
ou de ilegitimamente interferir em seu exercício), pois o pensamento há de ser livre permanentemente livre, essencialmente livre , sempre livre !!!
Todos sabemos que o
exercício concreto
, pelos profissionais
da imprensa
, da liberdade de
expressão
, cujo fundamento reside no próprio texto da
Constituição da República
, assegura, ao
jornalista
, o direito de expender
crítica
, ainda que desfavorável e em tom contundente, contra quaisquer
pessoas ou autoridades (Pet 3.486/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO).
Ninguém ignora que, no contexto de uma sociedade
fundada em bases democráticas,
mostra-se intolerável a repressão estatal ao
pensamento,
ainda mais quando a crítica – por mais dura que seja – revele-se inspirada pelo interesse coletivo
e decorra da
prática legítima de uma liberdade pública
de extração eminentemente constitucional (CF, art. 5º, IV, c/c o art. 220).
Não se pode desconhecer que a liberdade de imprensa, enquanto projeção da liberdade de manifestação de pensamento e de comunicação, reveste-se de conteúdo
abrangente,
por compreender, dentre outras prerrogativas relevantes que lhe são inerentes, (a) o direito de informar, (b) o direito de buscar a
informação
, (c) o direito de opinar e (d) o direito de criticar.
A crítica jornalística, desse modo, traduz direito impregnado de qualificação
constitucional,
plenamente oponível aos que exercem qualquer atividade de interesse da coletividade em geral, pois o interesse social, que legitima o direito de criticar,
sobrepõe-se a eventuais suscetibilidades
que possam revelar as figuras públicas, independentemente de ostentarem qualquer grau de autoridade.
É por tal razão que a crítica
que os meios de comunicação social dirigem às pessoas públicas, por mais acerba, dura e veemente que
possa ser,
deixa de sofrer, quanto ao seu
concreto exercício, as limitações externas
que ordinariamente resultam dos direitos da
personalidade.
É importante acentuar, bem por isso, que não caracterizará hipótese de responsabilidade
civil
a publicação de matéria
jornalística cujo conteúdo
divulgar observações em caráter
mordaz
ou irônico ou, então, veicular opiniões em tom de crítica severa, dura ou, até, impiedosa, ainda mais se a pessoa a quem tais observações forem
dirigidas
ostentar a condição de figura pública, investida, ou não, de autoridade governamental, pois, em tal contexto, a liberdade de crítica qualifica-se como verdadeira
excludente anímica
, apta a afastar o
intuito doloso
de ofender.
Com efeito, a exposição de fatos e a veiculação de conceitos, utilizadas como elementos
materializadores
da prática concreta do direito de crítica,
descaracterizam o “animus injuriandi vel diffamandi”, legitimando, assim, em plenitude, o exercício dessa particular expressão da liberdade de
imprensa
.
Entendo relevante destacar, no ponto, matéria efetivamente debatida no julgamento da ADPF 130/DF, em que
também se analisou a questão sob a perspectiva do direito de crítica cuja prática se mostra apta a descaracterizar o “animus
injuriandi vel diffamandi
” (CLÁUDIO LUIZ BUENO
DE GODOY, “
A Liberdade de Imprensa e os Direitos da Personalidade”, p. 100/101, item n. 4.2.4, 2001, Atlas; VIDAL SERRANO NUNES
JÚNIOR, “
A Proteção Constitucional da Informação e o Direito à Crítica Jornalística”, p. 88/89, 1997, Editora FTD; RENÉ ARIEL DOTTI, “Proteção da Vida Privada e
Liberdade de Informação
”, p. 207/210, item n.
33, 1980, RT,
v.g.) –, em ordem a reconhecer que essa prerrogativa dos profissionais de
imprensa
revela se particularmente expressiva, quando a crítica, exercida pelos “mass mediae justificada pela prevalência do interesse geral da
coletividade,
dirige-se a figuras notórias ou a pessoas públicas, independentemente de sua condição
oficial.
Daí a existência de diversos
julgamentos
, que, proferidos por Tribunais judiciários, referem-se à legitimidade da atuação
jornalística,
considerada, para tanto, a necessidade do
permanente escrutínio social
a que se acham sujeitos aqueles que, exercentes, ou
não
, de cargos oficiais, qualificam-se como figuras públicas.
É por tal razão, como assinala VIDAL SERRANO NUNES
JÚNIOR (“
A Proteção Constitucional da Informação e o Direito à Crítica Jornalística”, p. 87/88, 1997, Editora FTD), que o reconhecimento da legitimidade
do direito de crítica –
que constitui pressuposto do sistema democrático” – qualifica-se, por efeito de sua natureza mesma, como verdadeira garantia
institucional da opinião pública
”.
É relevante observar que o Tribunal Europeu de
Direitos Humanos
(TEDH), em mais de uma ocasião, advertiu que a limitação do direito à informação
(
e, também, do poder-dever de informar), quando caracterizada
mediante (inadmissível) redução de sua prática “ao relato puro, objetivo e asséptico de
fatos,
não se mostra constitucionalmente
aceitável
nem compatível com o pluralismo, a
tolerância (…),
sem os quais não há sociedade democrática (…)” (Caso Handyside, Sentença do TEDH, de
07/12/1976).
Essa mesma Corte Europeia de
Direitos Humanos,
quando do julgamento do Caso Lingens (Sentença de 08/07/1986), após assinalar que “a divergência subjetiva de opiniões
compõe a estrutura mesma do
aspecto institucional do direito à informação
”, acentua que “a imprensa tem a incumbência, por ser essa a sua missão, de publicar informações e ideias sobre as questões que se discutem no terreno político e em outros setores de interesse público (…)”, vindo a concluir, em tal decisão, não ser aceitável a visão daqueles que pretendem negar, à imprensa, o direito de interpretar as informações e de expender as críticas pertinentes.
É preciso advertir, bem
por isso
, notadamente quando se busca promover
a repressão à crítica jornalística, mediante condenação
judicial ao pagamento de indenização civil,
que o Estado inclusive
o Judiciário
não dispõe de poder algum sobre a palavra, sobre as ideias e sobre
as convicções
manifestadas pelos profissionais dos meios de comunicação
social.
Essa garantia básica da liberdade de expressão do pensamento, como precedentemente assinalado, representa, em seu próprio e essencial
significado,
um dos fundamentos em que repousa a ordem
democrática.
Nenhuma autoridade, mesmo a autoridade judiciária, pode prescrever o que será ortodoxo em política, ou em outras questões que
envolvam temas de natureza filosófica, ideológica ou confessional,
nem estabelecer padrões de conduta
cuja observância implique restrição aos meios de divulgação do pensamento.
Isso, porque “o direito de pensar,
falar e escrever livremente,
sem censura,
sem restrições ou sem interferência governamentalrepresenta, conforme adverte HUGO LAFAYETTE BLACK, que integrou a Suprema Corte dos
Estados Unidos da América,
o mais precioso
privilégio dos cidadãos
(…)” (“Crença na Constituição”, p. 63, 1970, Forense).”

  

Franssinete Florenzano
Jornalista e advogada, presidente da Academia Paraense de Jornalismo, membro da Academia Paraense de Letras, do Instituto Histórico e Geográfico do Pará, da Associação Brasileira de Jornalistas de Turismo e do Instituto Histórico e Geográfico do Tapajós, editora geral do portal Uruá-Tapera e consultora da Alepa. Filiada ao Sinjor Pará, à Fenaj e à Fij.

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