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​Uma pesquisa recém divulgada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública e pela Timelensapontou que candidatos a prefeito de “esquerda” falam três vezes menos de segurança pública que seus pares de “direita”. Enquanto isso, a população de 7 das 10 capitais mais populosas do Brasil considera a segurança o problema mais grave da cidade. A falta de centralidade conferida ao tema, no entanto, consegue muitas vezes ser superada pela pobreza do debate: “armar a guarda municipal”, por exemplo, é contrastada com “ensinar direitos humanos aos guardas” ou propostas evasivas, como “criar secretarias” ou “investir em programas sociais”. A boa notícia, no entanto, é que há saídas e muito mais pode ser feito a partir dos municípiospara salvar vidas e garantir a segurança como direito dos cidadãos, sem violar a Constituição. 

​É verdade que, tanto no Brasil como em outras partes do mundo, os municípios variam muito em problemas, dimensões, capacidades institucionais e, no caso das experiências de outros países, também em termos de competências. Guardadas as devidas diferenças, no entanto, é importante aprender com aquilo que dá certo e, no mínimo, exercitar a imaginação para além do óbvio. Mãos à obra, portanto. 

​Experiências como a do Município de Pelotas, por exemplo, apontam que, mais importante que a criação de uma nova Secretaria, é a estruturação de uma governança orientada para a prevenção e a repressão da violência na cidade. Nesse sentido, Pelotas implementou um Gabinete de Gestão Integrada, unindo as diversas secretarias e as forças de segurança e justiça atuantes na cidade, bem como um Comitê Integrado de Prevenção, a partir do qual políticas de prevenção foram formuladas. Como terceiro elemento de governança, foi criado um Fórum Municipal de segurança com a sociedade civil. 

​Em segundo lugar, é preciso ter em mente, como aliás, mostram revisões sistemáticas recentes, como as conduzidas pelo Laboratório de Análise da Violência, da UERJ, que a prevenção social, isto é, a prevenção baseada em programas sociais para grupos vulneráveis (sem foco), nem sempre é eficaz para reduzir a violência, ao menos em curto prazo. Isso pode estar relacionado, entre outros fatores, às causas e dinâmicas da criminalidade em determinado município. Assim, o município deve contar com intervenções integradas, que atuem sobre uma série de fatores de risco para a violência e promovam fatores protetivos. 

​Isso envolve, dentre outras coisas, investir na formação de cuidadores na primeira infância, identificar precocemente e auxiliar jovens em situação de risco, prevenir o uso de drogas nos bairros com políticas baseada em evidências. É nesse sentido que “programas sociais” tendem a funcionar melhor. 

​Um outro sentido em que o “social” pode atuar é na ativação dos espaços públicos e construção de espaços de convivência. Realizar intervenções urbanísticas em comunidades vulneráveis, com a participação da comunidade, recuperar terrenosbaldios, melhorar a iluminação pública, etc., todas são medidas que promovem a segurança da cidade. Medellín, conhecida como a capital do urbanismo social na América Latina, tem muito a ensinar ao Brasil nesse sentido. Recife, entre nós, também desenvolveu políticas interessantes nesse sentido nos últimos anos. 

​É preciso, no entanto, ir muito além do discurso do “social”. Há evidências fartas, por exemplo, da associação entre o abuso de álcool e a violência contra mulheres e crianças, por exemplo. Cidadesdo interior paulista como Diadema, já mostraram que limitar, sem proibir, o horário e os locais de venda de bebidas alcóolicas pode ter um papel importante na redução de homicídios. 

​É preciso resistir em converter as guardas municipais em novas polícias militares, mas é preciso sim fortalecê-las, atribuindo a elas papéis relevantes na prevenção e enfrentamento à violência. As guardas devem estar orientadas para a resolução de problemas do município. Um deles, que aflige a classe trabalhadora, é o roubo de celulares. As guardas poderiam atuar, por exemplo,na repressão ao comércio ilegal, cujos circuitos geralmente são de amplo conhecimento público. 

​Não se trata aqui, é claro, com esses poucos pontos, de um programa definitivo. Muito menos de soluções que sirvam a qualquer cidade. Tratam-se de exemplos, no entanto, já experimentados e que reforçam a necessidade de ampliar nossa linguagem e a nossa imaginação nos círculos onde esses atributos fazem falta. O que não podemos mais éficar condenados, como em muitas discussões ideológicas, à eterna prensa entre o bruto e o medíocre. O povo brasileiro tem pressa. E o campo progressista também deveria ter.

Carlos David Carneiro
Carlos David Carneiro é doutor em Direito pela Uerj e consultor legislativo da Câmara dos Deputados na área de Direitos Humanos.

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