Por pouco a Câmara dos Deputados não submeteu o Brasil a um vexame planetário. Decidiu manter a prisão preventiva do deputado federal Chiquinho Brazão (sem partido-RJ), mandante do assassinato da vereadora Marielle Franco. Foram 277 votos a favor e 129 contra. Houve 28 abstenções. O mínimo necessário era de 257 votos. As ausências e as abstenções tiveram o mesmo peso do voto favorável à libertação. Mesmo com orientação contra, sete deputados do PL votaram para manter Chiquinho Brazão preso. Entre eles, o deputado Delegado Caveira (PA). Já o deputado Joaquim Passarinho (PL-PA) se absteve, e os deputados Delegado Eder Mauro (PL-PA), Antonio Doido (MDB-PA) e Raimundo Santos (PSD-PA) votaram para deixar o criminoso livre, leve e solto, com as benesses do Parlamento. Uma vergonha.
O Delegado Eder Mauro é candidato a prefeito em Belém, Antonio Doido em Ananindeua e Raimundo Santos é pastor evangélico da Assembleia de Deus.
Votaram pela prisão as deputadas federais Elcione Barbalho, Dilvanda Faro, Andreia Siqueira e Alessandra Haber, e os deputados federais Airton Faleiro, Henderson Pinto, Júnior Ferrari, Keniston Braga e José Priante.
Cleber Lopes, o advogado de Chiquinho Brazão, brandiu o artigo 53 da Constituição Federal, argumentando que os parlamentares, após a diplomação, estão protegidos de prisões, exceto em casos de flagrante delito inafiançável. Como se tivessem licença para matar. Ou mandar matar, no caso concreto.
A prisão preventiva foi decretada pelos crimes de homicídio e organização criminosa, gravíssimos. Na noite de 14 de março de 2018, a vereadora carioca Marielle Franco foi executada a tiros. Seu motorista, Anderson Gomes, também morreu.
Joaquim Passarinho perdeu o trem da história. Seu tio, o conselheiro aposentado do TCM-PA Ronaldo Passarinho, que foi deputado, quando era presidente da Alepa teve a coragem e coerência de orientar o seu partido, o PDS, que sucedeu a Arena (de sustentação política ao regime militar), a votar pela cassação do seu então correligionário deputado Vavá Mutran, mandante da morte do fiscal da Secretaria de Fazenda do Estado do Pará em Marabá, Daniel Lira Mourão, que tinha apreendido doze reses não legalizadas junto ao Fisco.
Ao tomar conhecimento do fato, Ronaldo Passarinho convocou reunião do Colégio de Líderes e instalou uma Comissão Processante. O então deputado do PT Zé Carlos Lima foi o presidente. O deputado Aldir Viana, promotor de Justiça licenciado na época, conhecedor da legislação, isento e íntegro, foi escolhido relator, e recomendou a cassação do mandato de Vavá Mutran.
No dia 29 de junho de 1992, uma segunda-feira, no Plenário Newton Miranda (hoje auditório João Batista) lotado, o advogado Carlos Platilha usou a tribuna como advogado de defesa, por tempo ilimitado. Aldir Viana fez a acusação. Ronaldo Passarinho comandou a sessão, extremamente tensa, sem qualquer desordem. Apurados os votos, 30 dos 41 deputados decretaram a perda de mandato de Vavá Mutran, dois votaram em branco e cinco foram contrários à cassação. Os demais se abstiveram. Na manhã do dia seguinte Carlos Platilha requereu a nulidade da sessão ao presidente do Tribunal de Justiça, Desembargador José Alberto Soares Maia, que ouviu o Poder Legislativo. À tarde, o recurso de Vavá foi indeferido.
Foi um momento histórico. A formação jurídica e moral de Ronaldo afastaram as conveniências partidárias e ele procedeu como magistrado.
Em 1993, Osvaldo dos Reis Mutran foi condenado a nove anos de prisão pelo TJPA. Recolhido ao Hospital da Polícia Militar, em Belém, sob a alegação de sofrer cardiopatia hipertensiva, cumpriu só dois anos da pena no hospital, até ser liberado, em julho de 1995, graças a indulto concedido pelo Conselho de Política Criminal e Penitenciária do Estado.
Ontem (10), o Conselho de Ética da Câmara dos Deputados iniciou o processo de cassação do mandato de Chiquinho Brazão, a requerimento do PSOL.
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