Na última quinta-feira, 15 de junho, tive o privilégio de assistir a Orquestra Sinfônica do Teatro da Paz na majestosa casa de espetáculos que lhe batiza, aliás muitíssimo bem cuidada pelo Diretor Daniel Araújo e sua equipe. O concerto teve por tema clássicos do cinema, com destaque para peças compostas por dois gênios das trilhas sonoras: o italiano Enio Morricone (1928-2020) e o americano John Williams (1932).
Com ingressos à venda por apenas dois reais, inclusive via internet, o acesso do público ao espetáculo foi bastante democratizado, fazendo com que a fila saísse da bilheteria e contornasse o teatro pela Rua da Paz, margeando o icônico Bar do Parque e povoando de ansiosos espectadores aquele que é, sem dúvida, um dos mais belos cenários de Belém: o conjunto arquitetônico da Praça da República.
Entre os que portavam seus ingressos e os que esperavam por eventuais desistências havia gente de todas as idades, inclusive jovens que certamente não eram contemporâneos dos filmes cujas canções seriam executadas, o que mostra a força do cinema enquanto expressão artística e comprova que a boa arte, a arte superior, eivada de qualidade, talento e verdade, dura para sempre, atravessa eras e encanta diferentes gerações, ainda que em determinados casos tenha o entretenimento por objetivo final.
Muitos dos que ali estavam ouviram aquelas canções e assistiram os filmes que elas ajudaram a eternizar por herança e influência de seus pais, tios ou mesmo avós. Não eram sequer nascidos quando Cinema Paradiso, A Missão, Guerra nas Estrelas, O Império Contra-Ataca ou O Retorno de Jedi foram exibidos no Brasil, lotando as melhores salas de cinema num tempo em que elas eram portentosas e imponentes, autênticos tesouros do patrimônio cultural do país, e ainda não estavam confinadas e escondidas nos recônditos dos shopping centers.
O programa iniciou com Tema de Amor de Cinema Paradiso, joia singular de rara beleza, uma das obras primas de Morricone, embevecendo a plateia e criando no ambiente um clima sublime. A performance irretocável e a elegância dos músicos, todos vestidos a rigor, também foram pontos altos da noite, compondo uma estética que precisa estar, cada vez mais, disponível e acessível à população – o Teatro da Paz e sua orquestra são terapêuticos, fazem bem ao corpo e ao espírito, renovam e fortalecem em nós o amor por nossa terra.
Seguiram-se as trilhas de A Lista de Schindler, A Missão, O Violino Vermelho e High Pass, cada qual mais aplaudida que a anterior. Aqui e ali ouviam-se alguns gritos de “bravo” e “bravíssimo”, explicitando a empolgação da audiência e tornando menores alguns gestos deselegantes e deseducados que infelizmente são comuns hoje em dia, notadamente o uso indevido dos telefones celulares inobstante o aviso sonoro inicial tenha informado, clara e expressamente, que o uso do aparelho estava proibido, em especial para fotos e filmes.
Nesse particular, o brasileiro parece ter prazer em violar regras que ele próprio, arrogantemente, considera irrelevantes ou anacrônicas à sua vontade. Parece não querer compreender que as fotos e filmes atentam contra direitos autorais e de imagem, e comprometem, quando há uso de flashes, a integridade dos afrescos e pinturas que ornamentam os palcos mais antigos.
Mas isso é assunto para outra crônica, outra ocasião, eis que na realidade não houve tempo para aborrecimentos, tão bonito e agradável foi o recital.
Quando a orquestra entoou os primeiros acordes do Tema Principal de Guerra nas Estrelas e da Marcha Imperial foi difícil conter a emoção. De pronto voltei no tempo e me vi garoto, de pé numa fila como a que mencionei no início, ávido para entrar no Cine Palácio e testemunhar Luke Skywalker encabeçar a batalha épica do bem contra o mal, o combate ao lado negro da força, desembainhando seu sabre de luz para confrontar a personificação da maldade – Darth Vader, o apaixonante vilão que mais tarde, boquiabertos e estupefatos, descobrimos ser seu pai.
Tempos bons que infelizmente não voltam mais. Tempos de magia pura no eixo Palácio-Olímpia, o primeiro transformado em igreja evangélica, o segundo lamentavelmente abandonado pela Prefeitura Municipal, num perfeito retrato da sua falta de compromisso com a cultura. Tempos de Indiana Jones, ET o Extraterrestre, Rocky Balboa, Tubarão e também de Os Trapalhões e seus muitos sucessos de bilheteria.
Saí de casa, enfim, para assistir um concerto e acabei embarcando numa viagem interestelar, um passeio às melhores memórias do passado, uma ode à saudade da infância e da mocidade. Sou grato por isso, sou grato ao Teatro da Paz e aos que têm cuidado dele com tanto zelo, sou grato à sua Orquestra Sinfônica, a cada um dos músicos e a cada um dos técnicos.
Agora me permitam encerrar a crônica, ainda que haja muito a ser dito. É que tenho um compromisso sério. Preciso iniciar a Maratona Star Wars que combinei com meu filho Artur. Necessito rever as cenas que aquelas músicas maravilhosas reavivaram na cabeça e no coração, e preciso correr com isso. São muitos episódios e se não voltarmos do hiperespaço a tempo, corremos o risco de comprometer a segunda-feira, afinal não estou entre os que podem se dar ao luxo de viajar na Millennium Falcon…
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