O que é isso da ordem do irresístivel com o qual o sujeito se depara? Há muito nos defrontamos com os fenômenos das adicções, seja na clínica ou no campo social. Para Freud é um fenômeno psíquico da ordem do irresistível que nomeou de “compulsão à repetição”. O que todos sabem é que eles desorganizam a vida do sujeito, deterioram seu caráter, afetam suas relações e a sociedade de modo geral.
O conceito psicanalítico de adicção começou a ser concebido na década de 1930, apoiada nas bases da teoria freudiana. Porém, ainda está em processo de elaboração e vem tornando-se cada vez mais complexo com o surgimento de novos modelos teóricos que em alguns pontos se completam e em outros se excluem. Assim, a psicanalíse das adicções passou do modelo pulsional para o relacional e, dessa forma, foi possível incluir dentre eles os “relacionamentos adictivos”, além de começar a desvendar melhor a origem das adicções. Também a distinção entre o que é prazer e o que é gozo, na psicanálise, foi importantissíma para a compreensão do que move o viciado.
A inclusão dos relacionamentos adictivos no rol dos vícios foi significante, não somente por ampliar os estudos psicanalíticos para além do vício por sexo, da toxicomania, do tabagismo, do alcoolismo e outros, bem como nos trouxe novo olhar sobre a atuação na prática clínica. A adicção pelo outro, como nas demais, mostra uma dimensão exagerada de investimento libidinal com fixação num objeto, no caso, uma pessoa. Vemos uma grande intolerância à perda, frustração ou a simples ausência, acompanhada de esvaziamento do Eu, baixa autoestima e perda do senso de realidade. Quando pensamos na paixão, patológica, vemos uma exuberância de todos os aspectos comuns nos casos de condutas adictivas.
Muitos, certamente, interrogam-se: o que faz com que alguém perca o controle dos seus atos? Que paixão é essa da ordem do irresistível na qual o indivíduo abre mão do seu trabalho e dos seus atributos de dignidade; isola-se; rompe com a rotina e com hábitos, incluindo, cuidados pessoais; perde totalmente a vaidade e se entrega a um terrível autoabandono? Não raro, isso tudo ainda pode vir acompanhado de profundo autodesprezo, perda completa da autoconfiança e uma espécie de estado vegetativo no qual o sujeito apenas come e dorme.
Quando observamos, por exemplo, os casos de transtorno obsessivo compulsivo alimentar, o ato de comer desenfreadamente funciona como uma espécie de aparelhamento para produzir um efeito narcótico de entorpecimento, de êxtase e de alienamento. Há uma associação entre dormir e comer que se refere à nossa experiência mais primária, tempo em que só comíamos e dormíamos. Porém, quando isso acontece no adulto é porque há distorção, no psíquico do sujeito, do efeito do ato de comer.
A toxicomania é a forma mais comum encontrada na sociedade. Vemos, em vários grandes centros urbanos, de vários lugares do mundo, uma população em situação de rua composta, na sua maioria, por dependentes químícos. Sem dúvida, além de ser um problema social e de saúde pública, que necessita de políticas públicas urgentes, é palco de um quadro dramático. As pessoas que convivem com adictos são constantemente tomadas pela sensação de estarem sendo traídas, ignoradas, desprezadas, desrespeitadas e chegam à conclusão de que aqueles perderam não só o respeito por si e pelo outro, mas também o senso ético. O viciado deixa de ser confiável, gerando ainda mais repulsa e reforçando o estigma do “drogado”.
Na etiologia do alcoolismo, K. Abraham escreveu, em 1908, uma obra que, muito mais do que pelo pioneirismo, é um excelente trabalho para melhor compreender a adicção a partir da teoria da sexualidade. Para ele o “fator individual” é mais importante que o “fator externo” – influências do meio, erro na forma de educar, problemas hereditários, etc. Considera que as pulsões e a sexualidade perverso-polimorfa da infância que haviam sido arrefecidas pelo recalcamento e pela sublimação, acabam aflorando com a ingestão do álcool, produzindo, então, uma sensação de aumento da capacidade sexual e estimulando o “complexo da masculinidade” ou “arrogância do macho”.
Como comentei no início, não será possível abranger toda a problemática das adicções. Temos vários psicanalistas pós-freudianos e da contemporaneidade que trouxeram grandes contribuições. Entretanto, limitar-me-ei a citar algumas questões que Lacan considera significativas para compreensão da adicção e que têm ganhado força nos estudos da dinâmica adictiva. Para ele, essas compulsões estão relacionadas ao sentimento de desamparo; à falta estrutural que acompanha a condição humana; à procura pela recuperação narcísica, ao complexo de castração, à distinção metapsicológica entre prazer e gozo e ao desejo de uma fusão ilimitada com o objeto do gozo.
Por que nos causa horror o vício do outro? Na maioria das vezes, porque sabemos que faz parte da nossa natureza e que, portanto, podemos em algum momento nos tornar cativos e, assim, a busca pelo prazer se converter em imensa dor e aprisionamento no objeto.
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