A prisão de mil e quinhentas pessoas – entre elas idosos, crianças, lactantes e grávidas (felizmente já liberadas) – que participaram da manifestação que desaguou na barbárie perpetrada nas sedes dos três Poderes, em Brasília, evocou a memória do horror do dia 12 de setembro de 1973. Há mais de 45 anos, o abominável ditador Augusto Pinochet, ao perpetrar golpe de Estado no Chile, usou o Estádio Nacional para prender, torturar e matar cerca de quarenta mil pessoas que se opunham ao regime, sendo que mais de um terço dos detidos não tinha qualquer ligação partidária. Por outro lado, o denuncismo através de e-mails do poder público é prática perigosa. A História universal mostra que alcaguetes foram usados pela polícia política para plantar denúncias contra inocentes. Na época da ditadura militar inaugurada em 1964 no Brasil, muitos jornalistas foram dedurados e acabaram torturados e mortos na cadeia, além dos desaparecidos até hoje. Caso emblemático foi o do então diretor da TV Cultura, Wladimir Herzog, assassinado nos porões do DOI-Codi. Queriam derrubar através de Vlado o secretário estadual de Cultura José Mindlin, o governador de São Paulo, Paulo Egydio, além do próprio general presidente Geisel.
Sim, os tempos são outros e os personagens no poder são antípodas, mas o efeito desse tipo de ação é o mesmo. O incentivo a listas de acusados remete ao macartismo, o movimento da caça aos comunistas no EUA, nos anos 1950, concebido pelo senador republicano Joseph Raymond McCarthy, especialista na arte letal de condenar suspeitos – principalmente artistas – à revelia de provas, manipulando a opinião pública que, coagida pelo medo, aplaudia linchamentos antes de se informar. A prática de delatar, perseguir, acuar e condenar, independente das provas e muitas vezes contra elas, é aterrorizante. Chaplin, Brecht e Humphrey Bogart foram algumas das vítimas da voragem anticomunista.
Obviamente o Brasil não é os EUA da Guerra Fria, nem está sob comandos de caça aos comunistas, como já esteve.
Tratando de passado recente, vale lembrar o jornalista, professor, escritor e cientista político Bernardo Kucinski, autor de ‘K’, seu romance de estreia, aclamado pela crítica e finalista dos prêmios Portugal Telecom e São Paulo de Literatura de 2012, relançado pela Cosac Naify por ocasião dos cinquenta anos do Golpe Militar de 1964, com posfácio de Renato Lessa.
“Estamos assistindo ao surgimento de um macartismo à brasileira. A Ação Penal 470 transformou-se em um julgamento político contra o PT. O que se acusa como crime são as mesmas práticas reputadas apenas como ilícito eleitoral quando se trata do PSDB, que desfruta de todos os atenuantes daí decorrentes. É indecoroso. São absolutamente idênticas. Só as distingue o tratamento político diferenciado do STF, que alimenta assim a espiral macartista”.
A deduragem brazuca foi pródiga. Teve a campanha de Carlos Lacerda contra Samuel Wainer, em 1951-53; o Plano Cohen, em 1937; o episódio das cartas falsas contra Artur Bernardes, em 1921; a denúncia do ministro do Exército, Sylvio Frota, contra “comunistas infiltrados no governo”, em 1977.
Não há dúvida de que atos golpistas que almejam abolir o Estado Democrático de Direito devem sim ter rigorosa punição, nos termos da Lei e da Constituição Federal. Principalmente aqueles que orquestraram, financiaram e viabilizaram o terrorismo e a destruição do patrimônio público e da memória política, social, artística e cultural da nação precisam ser identificados e punidos exemplarmente, além dos que causaram os danos, claro. Em qualquer ditadura – de direita ou de esquerda – são invariavelmente violados os direitos humanos e de cidadania. Mas o enérgico repúdio ao golpismo e à violência promovida por grupos antidemocráticos e nazifascistas não pode descambar em outras formas de violência. Não pode haver brecha na tão sonhada Democracia brasileira para X-9 oportunistas que venham a se valer desse episódio para atingir desafetos.
Comentários