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Conversávamos eu e meu companheiro no café da manhã. Durante a conversa falávamos de amor e da subjetivação feminina nessa cultura tão bem estruturada em moldes patriarcais. Sim, mulheres foram feitas para amar o amor romântico, mas dentro desse pacote constatamos mais: mulheres foram feitas para militar o amor romântico. Sim, o amor intranquilo, inseguro , longe do que ela mesma sonhou. Esse tipo de amor que faz com que as mulheres se acostumem que desejar só é possível se precisar sempre constatar que é desejada e que pode perder a qualquer momento, um amor efêmero que precisa de luta para ser eterno.

Como isso dá? Elas crescem, em grande parte, observando relações amorosas em casa (no entorno, na mídia) em que homens são difíceis e elas precisam aceitar. Ter um homem é se submeter à disputa, à insegurança de ser deixada a qualquer momento. Então o amor mesmo é aquele que arrebata um monte de sentimentos pela via da insegurança, do medo, do querer buscar calma, sabendo que se a calma chegar ela pode duvidar se está tudo certo. Acostuma-se, sem perceber, que o amor é uma batalha que exige toda sua energia e que nele nada há de tranquilo.

Lembrei da Bruna Marquezine que afirmou perceber na análise que se acostumou tanto com o amor violento do Neymar que quando achou um amor calmo e tranquilo achou que não era amor, que era amizade. Afinal, como poderia ser amor sem toda aquela angústia na garganta e toda euforia quando algo parece caminhar bem? Mulheres se tornam reféns da dinâmica masoquista de militar pelo homem e não pela experiência em si, que é ser amada e viver tranquila suas várias facetas de si, já que o amor respeitoso se torna apenas uma delas, e não se impõe como o motivo principal de viver, sugando toda sua energia para o homem/relação e, consequentemente, pro sofrimento.

Amor não deveria ser sinônimo de sofrer, aliás: homem que não conversa, que prefere os amigos, que implanta ciúme, que trai, que trata mal, também não deveria ser alvo para relações idealizadas. Amar pode ser bem mais que viver subjugada a militar o amor masculino, este amor que para os homens não é foco principal nunca, é uma de suas conquistas e pincel narcísico para mostrar a outros homens. Há como ter relações saudáveis entre homens e mulheres desde que desativemos o amor romântico como foco principal para mulheres: o amor romântico é uma ferramenta importante pra submissão feminina e está atrelado diretamente à masculinidade hegemônica e suas violências. Pensem sobre isso, mulheres. E amem muitas coisas, não só os homens: amem amigas e amem, acima de tudo, vocês mesmas.

Bárbara Sordi
Psicóloga, Psicanalista, Especialista em Psicologia Hospitalar da Saúde, Facilitadora de Círculos de Paz, Professora da Universidade da Amazônia, coordenadora do Projeto “Sobre-viver às violências” e do Grupo de estudos “Relações de gênero, Feminismos e Violências”, Mestre e Doutora em Psicologia pela Ufpa e coordenadora/assessora da Vereadora Lívia Duarte. Mãe da Luísa e Caetano, Feminista Terceiro Mundista.

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