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Gal Costa também foi, para mim, de importância brutal no meu desenvolvimento pessoal, durante a adolescência. Os baianos todos. Ainda pré adolescente, eu os via na televisão em programas p&b e ficava fascinado com a Tropicália e suas aparições em festivais. Em casa, estávamos pilhados no rock e particularmente, logo adiante, me apaixonei pelo som de Jimi Hendrix e Janis Joplin. E em seu primeiro disco pop lá veio ela audaciosa, produzida por Caetano e Gil, que participam em várias faixas. Veio o outro, que tinha “Tuareg”, “Cultura e Civilização, elas que se danem, ou não”. Somente mais tarde, já mais provido de conhecimento, fui ouvir “Domingo”, o disco bossanovista, feito em dupla porque não havia dinheiro para discos individuais. Mas a cena artística nacional era um turbilhão e Gal era a cantora pop brasileira. Eu estava passando um tempo no Rio de Janeiro e até hoje, quando ouço “Eu sou terrível”, do disco “Le Gal”, vem à minha sensibilidade um determinado local, um vento, um cheiro de mar, uma sombra. Uma capa maravilhosa, acho, de Helio Oiticica e um repertório que juntava tudo, Roberto e Erasmo, Macalé, Caetano, Gil, nordeste, Ismael Silva, Caymmi, João Gilberto. Maravilhoso. Eu também estava no RJ e assisti ao show que, penso, foi o maior e melhor show de música pop nacional que já houve, “Fa-tal”. Gal dirigida por Wally Salomão, segurando a onda enquanto Caetano e Gil estavam exilados em Londres. Caetano fez “London London”. Macalé veio com “Vapor Barato”, Melodia com “Pérola Negra”, Roberto e Erasmo com “Como dois e dois”, Novos Baianos em “Dê um Rolé”. Uma banda de sonhos, comandada por Lanny Gordin, adiante substituído por Pepeu Gomes. Perfeito em tudo. E Gal, bela, deslumbrante, sexy total, com uma calça de cós baixíssimo, bustiê, uma deusa derramando um charme inesquecível. Não sei bem a ordem, mas houve “Cantar”, “Gal canta Caymmi”, “Água Viva” e então “Índia”, produzido por Gil e com Dominguinhos dominando a cena, nos arranjos. A capa, todos sabem, é de uma beleza e erotismo imensos. Na contracapa, Gal com os seios desnudos. No show, bela, bustiê e um vestido em tiras. De repente, Gal senta em um banco, toma o violão, abre as pernas, deixando uma larga tira, apenas, cobrindo e sugerindo, cantou coisas lindas. Eu estava lá, no Ginásio da Universidade, no Campus do Guamá e vi. E ouvi. “Da maior importância”, a história da cantada de Caetano em Gal, que não foi adiante. Foi um tempo lindo na minha vida. Meus ídolos produziam trabalhos que me inspiravam, me ensinavam. Arranjos, melodias, letras inteligentes, comportamento. E então ela parou para pensar. Continuar como essa musa, digamos, da juventude e da contracultura ou atingir públicos maiores, com um repertório mais clássico? Transformaram-na em uma diva, vestida luxuosamente, cantando sambas antológicos da mpb. E veio ainda maior o sucesso. É nesse momento que ela, digamos, virou adulta. Eu também, mas com saudade do ídolo. Gravou com Tom, João, estourou com Tim Maia e no caminho, quando apareceu um pop sensacional de Caetano, mergulhou em “Vaca Profana”. Eu a vi, recentemente, em Belém, no Marina Club, com sua banda cheia de jovens e prospectando novos autores, nem sempre acertando. Mas Gal podia tudo. Como era boa a música popular brasileira! Como traduzia um país que atravessando momentos difíceis, de atraso, se expressava em direção ao futuro. Bethânia, Tomzé, Caetano e Gil estão vivos. Espero que ainda por muitos anos. Eles são a prova que meu passado foi rico em Cultura, música e poesia. Eles me ensinaram tudo. A ousar, por exemplo. Comprei uma calça vermelha e os tamancos holandeses de Caetano. Eu, uma pessoa tímida, aos primeiros comentários de meus colegas, mais caretas, dei um tempo. Me informaram sobre quem precisava conhecer. Desafiaram padrões antigos, me incitando a fazer igual. Sou, de alguma maneira, produto deles. Gal partiu. Não poderei mais vê-la em algum show, mas tenho suas músicas, vídeos. Uma parte revolucionária do Brasil a partir dos anos 70 começa a partir com Gal. Tomara que os outros permaneçam por mais tempo aqui a confirmar o que vivi.

Edyr Augusto Proença
Paraense, escritor, começou a escrever aos 16 anos. Escreveu livros de poesia, teatro, crônicas, contos e romances, estes últimos, lançados nacionalmente pela Editora Boitempo e na França, pela Editions Asphalte. Foto: Ronaldo Rosa

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