Um dia asfaltaram a Presidente Vargas. Era um tempo em que passava uma carrocinha puxada a cavalo, vendendo leite in natura. Caminhões verdes vendiam carne verde e ouvíamos em casa os gritos de “garrafeiro”! Havia um comercial que dizia “Depois de um Aspirante, só outro Aspirante”, vendendo o cigarro. À noite, peguei minha bike e, como todos os outros moradores, desci para passear na avenida recém asfaltada. A essa altura, era um dos reis de bike, passeando na Praça da República, que era meu playground. Quando voltava do colégio, ainda jogava peteca ou “ferrinho” com motoristas de praça na esquina com a Oswaldo Cruz. Havia um grande posto de gasolina, na esquina com a Assis de Vasconcelos, onde calibrava os pneus da bike. Lá no centro, em uma parte de cimento que há dos dois lados do monumento à República, jogávamos “cemitério” e pelas laterais, havia como que banquinhos onde assistiam. Uma vez, encontramos uma janela quebrada no atual prédio do ICA, que na época era Escola de Quimica e roubamos algumas seringas de plástico. No térreo do meu prédio havia a Loja Salevy, espécie de shopping da época e ao lado, a revistaria dos Irmãos Esteves, onde meu mano mais velho Edgar comprava os gibis de cowboy. Uma vez, campanha política, lá ficava o comitê de JanioQuadros e assim, até hoje, sabemos, de cor, a letra do jingle que tocava sem parar. Um dia, prédio em frente, que era chamado Edifício dos Comerciários, estava cercado por soldados do exército. Meu pai ordenou que saíssemos das janelas. Ouvimos falar que havia “comunistas perigosíssimos” escondidos. Imaginem só. No prédio ao lado, Piedade, um dos primeiros da cidade, estava também um dos nossos maiores tormentos de quando criança, o Dentista Newton Sampaio, cuja família morava andares acima e de quem nos tornamos amigos. Cada um que ia ao consultório, passava pelo vexame de ter todos os outros irmãos atentos aos gritos e choros naquela terrível cadeira. Não havia ar condicionado em uma época mais fresquinha e do terraço, víamos e ouvíamos tudo e ficávamos nos deliciando com a vítima escolhida naquele dia. No começo da noite, após o “Cartaz Esportivo”, meu pai vinha jantar e reunia um grupo de ouvintes de suas notícias e piadas na esquina. Depois seguia para o jornal em que trabalhava. Alimentar aquelas cinco bocas vorazes não era fácil. Meu avô dizia que além do Edifício Manoel Pinto da Silva, já era outro município, ele que é personagem da cidade quando tudo ainda acontecia até aquela esquina e ele reunia a galera na terrasse do Grande Hotel. Ao lado havia um café, mas quando me entendi como gente, era apenas um buraco profundo, onde brinquei de cowboy algumas vezes e que hoje é o prédio do BASA. Lembro da sede da Tuna e também da boite Papa Jimi, onde, curiosamente, uma noite, voltando do estudo para o vestibular, quando atravessava a Praça tranquilamente, subi à área em que meu amigo estava como dj e encontrei, mexendo nos discos, “Jimi Hendrix ao vivo no Festival de Monterrey”, uma pérola com a gravação do histórico show, primeiro dele em seu próprio país, onde abre tocando “Like a Rolling Stone”, de Dylan. Fizemos uma troca e lá fui com Jimi debaixo do braço. Em frente ao meu prédio também houve um Magazine RM, com ternos e roupas masculinas. E o Restaurante Florida, já na esquina com Aristides Lobo? Do outro lado da rua, havia a Banca do Plínio onde sempre encontrava o Gerson Nogueira para conversar. No Piedade, além dos Sampaio, tive dois grandes amigos que passaram pouco tempo em Belém, Antonio Valentim e Fernando. Nas lojas do térreo, havia, acho, uma Tágide onde comprava esferas de “aço”, entre aspas porque as utilizava jogando peteca. E também agência de viagens onde Walter Bandeira e Silvana Ditcham trabalharam. A banca do Alvino chegou depois. São lembranças que me ocorrem, as primeiras, sobre o entorno do meu prédio, meu mundinho, naquela época, em Belém, por conta de seu aniversário.
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