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Como já era de se esperar, os advogados do deputado Luiz Afonso Sefer estão pleiteando a nulidade do inquérito policial que o indiciou por abuso sexual contra uma criança de 9 anos, hoje com 13. Argumentam que só o Tribunal de Justiça do Estado é competente para processar e julgar originariamente os deputados estaduais nas infrações comuns.

É verdade tal alegação. Porém, é preciso que se diga: quanto à atribuição para conduzir a investigação destas autoridades – que precede o processo e o julgamento – a Constituição nada dispôs.
Acontece que não há norma na Constituição brasileira, ou mesmo infraconstitucional, que disponha acerca da atribuição para investigar quem goza de prerrogativa de foro. Assim, a investigação de autoridades deve ser conduzida segundo a regra geral, ou seja, pelas autoridades policiais. Em tais casos, o inquérito deve ser remetido no prazo legal ao Tribunal com competência para julgar o investigado, mesmo procedimento nas representações para prática de atos sujeitos a reserva jurisdicional (medidas cautelares e quebra de sigilo, por exemplo).
Também não há que se falar em autorização do TJE para a instauração do inquérito, até porque não é de sua competência a valoração da notícia do crime. A investigação criminal pré-processual exige um dinamismo e informalismo para os quais nossas cortes não estão preparadas: agentes para sair nas ruas, entrevistar pessoas, colher informações, realizar vigilância e filmagens, atos estes que, não raro, nem são registrados nos autos e que não podem simplesmente ser determinados à polícia através de cotas ou despachos do Juiz, até por terem que ser realizados imediatamente após a constatação de sua necessidade.
Para ilustrar a questão, colhi casos concretos de inquéritos em tramitação perante o Supremo Tribunal Federal para apurar notícias de crimes atribuídos a detentores de prerrogativa de foro. Vejamos:
No Inquérito nº. 1504/DF (DJ 28.06.99, p.25), o Min. Celso de Mello reconheceu a possibilidade de inquérito policial e investigação pela Polícia em desfavor de senador:
Imunidade parlamentar em sentido formal (CF, art. 53, § 1º, in fine). Garantia inaplicável ao Inquérito Policial. Precedente (STF) e doutrina. – O membro do Congresso Nacional – Deputado Federal ou Senador da República – pode ser submetido a investigação penal, mediante instauração de Inquérito Policial perante o Supremo Tribunal Federal, independentemente de prévia licença da respectiva Casa legislativa. A garantia constitucional da imunidade parlamentar em sentido formal somente tem incidência em juízo, depois de oferecida a acusação penal… Com efeito, a garantia da imunidade parlamentar em sentido formal não impede a instauração de inquérito policial contra membro do Poder Legislativo. Desse modo, o parlamentar – independentemente de qualquer licença congressional – pode ser submetido a atos de investigação criminal promovidos pela Polícia Judiciária, desde que tais medidas pré-processuais de persecução penal sejam adotadas no âmbito de procedimento investigatório em curso perante órgão judiciário competente: o Supremo Tribunal Federal, no caso de qualquer dos investigados ser congressista (CF, art. 102, I, “b”)…”

A questão foi mais claramente analisada pela Primeira Turma do STF em habeas corpus impetrado por deputado federal contra ato de delegado de Polícia Federal de Maringá/PR, que instaurara inquérito policial para investigá-lo:
DIREITO CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL PENAL. INQUÉRITO POLICIAL CONTRA DEPUTADO FEDERAL, INSTAURADO POR DELEGADO DE POLÍCIA. “HABEAS CORPUS” CONTRA ESSE ATO, COM ALEGAÇÃO DE USURPAÇÃO DE COMPETÊNCIA DO S.T.F. E DE AMEAÇA DE CONDUÇÃO COERCITIVA PARA O INTERROGATÓRIO. COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA DO S.T.F. PARA O JULGAMENTO DO “WRIT”. INDEFERIMENTO DESTE. 1. Para instauração de Inquérito Policial contra Parlamentar, não precisa a Autoridade Policial obter prévia autorização da Câmara dos Deputados, nem do Supremo Tribunal Federal. Precisa, isto sim, submeter o Inquérito, no prazo legal, ao Supremo Tribunal Federal, pois é perante este que eventual ação penal nele embasada poderá ser processada e julgada. E, no caso, foi o que fez, após certas providências referidas nas informações. Tanto que os autos do Inquérito já se encontram em tramitação perante esta Corte, com vista à Procuradoria Geral da República, para requerer o que lhe parecer de direito. 2. Por outro lado, o Parlamentar pode ser convidado a comparecer para o interrogatório no Inquérito Policial (podendo ajustar, com a autoridade, dia, local e hora, para tal fim – art. 221 do Código de Processo Penal), mas, se não comparecer, sua atitude é de ser interpretada como preferindo calar-se. Obviamente, nesse caso, não pode ser conduzido coercitivamente por ordem da autoridade policial, o que, na hipótese, até foi reconhecido por esta, quando, nas informações, expressamente descartou essa possibilidade. 3. Sendo assim, nem mesmo está demonstrada qualquer ameaça, a esse respeito, de sorte que, no ponto, nem pode a impetração ser considerada como preventiva. 4. Enfim, não está caracterizado constrangimento ilegal contra o paciente, por parte da autoridade apontada como coatora. 5. “H.C.” indeferido, ficando, cassada a medida liminar, pois o Inquérito Policial, se houver necessidade de novas diligências, deve prosseguir na mesma Delegacia da Polícia Federal em Maringá-PR, sob controle jurisdicional direto do Supremo Tribunal Federal”. (HC 80592/PR, Min. Sydney Sanches, julgado em 03/04/2001, Primeira Turma, DJ 22.06.2001, p. 23).

A Segunda Turma do Supremo adotou mesmo entendimento, fazendo menção ao sistema acusatório:
I. STF: competência originária: ´habeas corpus´ contra decisão individual de Ministro de Tribunal superior, não obstante susceptível de agravo. II. Foro por prerrogativa de função: inquérito policial. 1. A competência penal originária por prerrogativa não desloca por si só para o Tribunal respectivo as funções de polícia judiciária. 2. A remessa do inquérito policial em curso ao Tribunal competente para a eventual ação penal e sua imediata distribuição a um relator não faz deste “autoridade investigadora”, mas apenas lhe comete as funções, jurisdicionais ou não, ordinariamente conferidas ao Juiz de primeiro grau, na fase pré-processual das investigações. III. Ministério Público: iniciativa privativa da ação penal, da qual decorrem (1) a irrecusabilidade do pedido de arquivamento de inquérito policial fundado na falta de base empírica para a denúncia, quando formulado pelo Procurador-Geral ou por Subprocurador-Geral a quem delegada, nos termos da lei, a atuação no caso e também (2) por imperativo do princípio acusatório, a impossibilidade de o Juiz determinar de ofício novas diligências de inve
stigação no inquérito cujo arquivamento é requerido (HC 82507/SE, rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 19.12.2002, pg 0092).

E mais, da lavra da ministra Ellen Gracie, acerca do indiciamento do deputado federal Ronaldo Cezar Coelho, pelo cometimento de sonegação fiscal:
“Entre as funções institucionais que a Constituição Federal outorgou ao Ministério Público, está a de requisitar a instauração de inquérito policial (CF, art. 129, VIII). Essa requisição independe de prévia autorização ou permissão jurisdicional. Basta o Ministério Público Federal requisitar, diretamente, aos órgãos policiais competentes. Mas não a esta Corte Suprema. Por ela podem tramitar, entre outras demandas, ação penal contra os membros da Câmara dos Deputados e Senado. Mas não inquéritos policiais. Esses tramitam perante os órgãos da Polícia Federal. Eventuais diligências, requeridas no contexto de uma investigação contra membros do Congresso Nacional, podem e devem, sim, ser requeridas perante esta Corte, que é o Juiz natural dos parlamentares federais, como é o caso da quebra do sigilo fiscal. Mas o inquérito tramita perante aqueles órgãos policiais e não perante o Supremo Tribunal Federal. Não parece razoável admitir que um Ministro do Supremo Tribunal Federal conduza, perante a Corte, um inquérito policial que poderá se transformar em ação penal, de sua relatoria. Não há confundir investigação, de natureza penal, quando envolvido um parlamentar, com aquela que envolve um membro do Poder Judiciário. No caso deste último, havendo indícios da prática de crime, os autos serão remetidos ao Tribunal ou Órgão Especial competente, a fim de que se prossiga a investigação. É o que determina o art. 33, § único da LOMAN. Mas quando se trata de parlamentar federal, a investigação prossegue perante a autoridade policial federal. Apenas a ação penal é que tramita no Supremo Tribunal Federal. Disso resulta que não pode ser atendido o pedido de instauração de inquérito policial originário perante esta Corte. E, por via de conseqüência, a solicitação de indiciamento do parlamentar, ato privativo da autoridade policial. Resta a quebra do sigilo fiscal. Mas essa quebra deverá ser requerida no âmbito do inquérito policial que o Ministério Público Federal pretende seja instaurado. Nesse inquérito, disciplinado no CPP, poderá o parlamentar justificar a regularidade da remessa do numerário, ou até mesmo impugnar a idoneidade da documentação apresentada. De qualquer sorte, não há, ainda, qualquer comprovação de que o parlamentar tenha se recusado a apresentar suas declarações do imposto de renda. Diante do exposto, determino sejam os autos devolvidos à Procuradoria-Geral da República para as providências que entender cabíveis.(Pet 3248/DF, Rel. Min. Ellen Gracie, Julg. 28.10.2004, DJ 23.11.2004, p. 41).

Finalmente, é digno de registro que o Superior Tribunal de Justiça acompanhou o STF:
PROCESSUAL PENAL – NOTÍCIA CRIME – INSTAURAÇÃO DE INQUÉRITO POLICIAL – INADMISSIBILIDADE – CPP, ART. 5º, II – PRECEDENTE DO STF (AGPET 2805-DF).
– Consoante recente entendimento esposado pelo STF, não é admissível o oferecimento de notícia-crime à autoridade judicial visando à instauração de inquérito policial.
O art. 5º, II, do CPP confere ao Ministério Público o poder de requisitar diretamente ao delegado de polícia a instauração de inquérito policial com o fim de apurar supostos delitos de ação penal pública, ainda que se trate de crime atribuído à autoridade pública com foro privilegiado por prerrogativa de função.
Não existe diploma legal que condicione a expedição do ofício requisitório pelo Ministério Público à prévia autorização do Tribunal competente para julgar a autoridade a ser investigada.
– É vedado, no direito brasileiro, o anonimato (art. 5º, IV, da CF/88). Agravo regimental improvido” (AgRg na NC 317/PE, Agravo Regimental na Notícia-Crime 2003/0071820-2, rel. Min. Francisco Peçanha Martins, Corte Especial, DJ 23.05.2005, p.118).”
Os grifos são meus. O debate está aberto.

Franssinete Florenzano
Jornalista e advogada, membro da Academia Paraense de Jornalismo, da Academia Paraense de Letras, do Instituto Histórico e Geográfico do Pará, da Associação Brasileira de Jornalistas de Turismo e do Instituto Histórico e Geográfico do Tapajós, editora geral do portal Uruá-Tapera e consultora da Alepa. Filiada ao Sinjor Pará, à Fenaj e à Fij.

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