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 Em 9 de maio de 2022, uma oficiala do Corpo de Bombeiros Militar do Pará denunciou ao então comandante-geral, coronel QOBM Hayman Apolo Gomes de Souza, o tenente-coronel QOBM Orlando Farias Pinheiro, por comentários injuriosos, caluniosos e difamatórios contra sua pessoa, que chegaram ao conhecimento de toda a corporação, causando enorme sofrimento à vítima e justa indignação, como mãe, mulher e esposa, além de danos à imagem do CBMPA. Ao solicitar a abertura do devido processo legal para apurar a postura criminosa, a oficiala enfatizou a necessidade de providências a fim de que outras mulheres vítimas de comentários nefastos não se sintam desamparadas.
 
Foi instaurado Inquérito Policial Militar através da Portaria nº 011/2022, publicada no Boletim Geral nº 08, de 27 de maio de 2022, tendo sido designado encarregado o Cel. QOBM Carlos Augusto de Oliveira Ribeiro, que encaminhou os autos ao atual comandante-geral Cel. QOBM Jayme de Aviz Benjó, dando a instrução como encerrada, em 22 de agosto de 2022.
 
A conclusão do IPM é surreal. O encarregado sustenta que não há indícios de crime militar, difamação e nem transgressão da disciplina por parte do Ten Cel. Orlando Farias Pinheiro. Além de inocentar o investigado, pede que seja instaurado procedimento correcional apuratório por “perseguição e coação de testemunha”, contra o Ten Cel. QOBM Johann Mak Douglas Sales da Silva, chefe da 2ª Seção (Inteligência), uma das testemunhas do caso.
 
Por ter tido a coragem de denunciar, a oficiala teve sua honra enxovalhada, ficou sem função, jogada ao escanteio e hostilizada no quartel, sem chance de ascender a coronel. Outra oficiala que também testemunhou teve o casamento desfeito e sua imagem nua com o Ten Cel. Orlando vista por todos do Comando Geral, quis pedir desligamento da carreira por vergonha, mais foi orientada a superar. Ambas desmerecidas, assim como suas testemunhas.

Se oficialas com patente superior tiveram esse tratamento, é de se imaginar o que passam as pracinhas e voluntárias civis que atuam ali. A Corregedoria se manteve silente quanto ao caso e inclusive quanto à postura do encarregado, que inverteu as situações e durante o IPM agiu com evidente parcialidade.
 
Ao longo das 372 páginas do IPM às quais o portal Uruá-Tapera teve acesso com exclusividade, outras mulheres surgiram como vítimas de idêntica conduta do Ten Cel. Orlando Pinheiro, em situações muito mais graves, porque incluíam a divulgação de fotos nuas e vídeos de atos sexuais dentro do quartel do CBMPA. Oficiais e suboficiais testemunharam a veracidade das denúncias, inclusive que o comportamento é reiterado, e que o Ten Cel. Orlando Farias não só utiliza comentários para manchar a reputação de mulheres militares e civis como também mostra, sem consentimento, fotos e vídeos de sexo em motéis e até em sua sala no Comando-Geral, sendo que uma de suas vítimas teria tentado suicídio ao saber que imagens suas íntimas circulavam na caserna, caso semelhante ao que vitimou a fotógrafa e influencer Luma Bony Monteiro no fulgor de seus 23 anos, cuja família ainda vive momentos difíceis, após um ano da tragédia, mas luta para evitar que o “hétero top” continue a destruir mulheres.

Quando ainda chefe do Almoxarifado, em viagem de serviço junto com o Sgt BM Alex e o Subtenente David, todos testemunhas assim como o Ten Cel. Douglas e o Ten Cel. Nogueira, o acusado, Ten Cel. Orlando Pinheiro, comentou à larga que a denunciante teria praticado felação nele dentro do quartel. Os fatos são gravíssimos e afetam a ética, a honra, ao pundonor militar e ao decoro da classe. Mas nada disso parece interessar ao subcomandante-geral e chefe do Estado-Maior, Cel. QOBM Helton Charles Araújo Morais, em cujo gabinete repousa a conclusão do IPM que recebeu há um ano e três meses, sem qualquer providência.
 
Acontece que o encarregado do IPM, ao longo do Inquérito, simplesmente inverteu as posições, tratando a vítima como vilã e o denunciado como vítima. A ponto de, em seu relatório final, não só acatar toda a negativa como também usar a tática da defesa, desqualificando a denúncia e as testemunhas e ainda acusando essas pessoas da prática de crimes de coação, perseguição e prevaricação, sem qualquer sustentação fática nem documental.
 
O absurdo chega ao ponto de concluir que as denúncias “não reuniram indícios suficientes de autoria/materialidade” para responsabilizar o Ten Cel. Orlando Farias.  O encarregado não enxergou indícios da culpa do investigado, embora com várias testemunhas e documentos confirmando tudo, mas entendeu que há – vejam só – indícios de crime militar praticado pelo 2° Sgt BM Alex Alan Freire Machado (uma das testemunhas), por demorar a relatar os fatos (!).
 
Ao tomar os depoimentos, o Cel. QOBM Carlos Augusto Ribeiro, encarregado do IPM, só considerou as palavras do próprio investigado e de uma de suas vítimas – que é civil e cujo pai, coincidentemente, é subordinado ao acusado – e que estranhamente se apresentou espontaneamente, acompanhada pelos advogados do denunciado (cuja presença não foi registrada nos autos do IPM) e, contrariando o depoimento do próprio pai, repetiu exatamente as acusações feitas pelo investigado às testemunhas. Do que se depreende ter sido imprópria, para dizer o mínimo, a condução do IPM.
 
O enfrentamento ao assédio sexual e moral é uma luta de todas as pessoas que desejam uma sociedade mais justa e equânime. Vítimas de assédio sexual nas corporações militares têm imensa dificuldade em denunciar os abusos por terem sido cometidos, em várias situações, por pessoa em posição superior na hierarquia militar e também por temerem represálias, considerando a estrutura da carreira caracterizada pela hierarquia e disciplina. Nesse contexto, os comandantes têm responsabilidade vital por caber a eles a apuração das alegações ocorridas sob suas respectivas administrações. Também cabe ao Ministério Público Militar, que deve requerer a abertura de PAD na Corregedoria do CBMPA e o devido processo criminal. E, ainda, ao governador do Pará, Helder Barbalho, que na condição de comandante-em-chefe das forças militares do Estado, homem público e pai de família, tem o dever de agir. Como ressalta o pai da saudosa Luma, Bony Monteiro, “todos nós, enquanto sociedade, precisamos abrir os olhos para que outras mulheres não se tornem vítimas”.

Franssinete Florenzano
Jornalista e advogada, membro da Academia Paraense de Jornalismo, da Academia Paraense de Letras, do Instituto Histórico e Geográfico do Pará, da Associação Brasileira de Jornalistas de Turismo e do Instituto Histórico e Geográfico do Tapajós, editora geral do portal Uruá-Tapera e consultora da Alepa. Filiada ao Sinjor Pará, à Fenaj e à Fij.

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