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Estes últimos meses li cinco livros: dois de autores estrangeiros (Angola e Guadalupe), e os outros de brasileiros, aliás, paraenses. Todas histórias interessantes; lembranças e experiências vividas, em alguns deles sendo usado, inclusive, o paraensês…  Relembrei assim palavras que não são mais usadas; frutas que não encontramos mais; linhas de ônibus substituídas… e casas que desapareceram das nossas vistas, mesmo se eram históricas.

Entre os estrangeiros, foi o La Vita Perfida, de Maryse Condé sobre o nascimento de uma burguesia negra cosmopolita, que me interessou particularmente. O seu modo de escrever me chamou atenção pois nos leva a crer que ela tinha pressa de contar a história. Os fatos sucediam rapidamente, um atrás do outro e te prendiam na leitura de suas trezentas páginas. Desse modo tomava conhecimento de uma realidade que nunca me preocupei  saber se e como aconteciampor aqui.

Essa leitura me fez lembrar do livro, lido há muitos anos, de um escritor latino americano, alias paraguayo, Augusto Roa Bastos, publicado em 1960 e considerado uma obra fundamental da literatura. Hijo de hombre foi sua primeira novela e a procissão que descrevia, subindo uma montanha e carregando o andor, me provocou a mesma sensação de cansaço que os promesseiros sentiam. Um modo de escrever que me fascinou: só larguei o livro, quando acabei.

São incríveis as sensações que provas e que vives ao ler um livro, e as lembranças que te afloram a mente quando conta fatos e pessoas do teu tempo. Isso aconteceu lendo os livros dos nossos escritores. Me faziam passear pelo meio do mato sentindo até o cheiro dele; descobrir costumes não mais em uso nas cidades grandes, além de necessidades inimagináveis. Um mundo eu estamos perdendo, também.

Diferente, em vez  as sensações que senti ao passar de carro pelas ruas calmas e desertas do bairro onde morei alguns meses em Accra. Provei uma sensação particular, pois  tais  passeios me lembraram a  idade que tenho, principalmente. Ruas com nomes de Haile Selasie, que governou a Etiopia de 1930 a 1974; Gamal Abdul Nasser (estava em Moscow quando ele morreu); Patrice Lumumba que virou nome de uma universidade em Moscow; Samora Machel; Sekou Toure; Agostinho Neto; Amilcar Cabral;…enfim, a luta contra a questão colonial passava sob meus olhos. Personalidades africanas que bem poucos dos nossos jovens ouviu falar, me foram lembradas.

A luta pela liberdade das ex-colonias portuguesas na África chegava até nós, aqui em Belém nos anos 60. Víamos passar automóveis com faixas atrás, escrito: ANGOLA É PORTUGAL, e outro que passa dizendo que “ANGOLA NAO É PORTUGAL”. Algumas noticias chegavam e com elas alguns nomes chegamos a conhecer. Depois, vivendo na Europa, tinha noticias diárias sobre as guerras de libertação da África de seus algozes europeus, e até mais histórias conheci a medida que aqueles senhores iam morrendo.

Cada rua que passava me provocava uma emoção particular. Notei quanto pouco importa hoje a história dos outros para nós, mesmo se importantes e famosos foram eles para a história dos anos 60/70. Algumas dessas personalidades, hoje nome de ruas em vários países da África, eu conheci pessoalmente, nos festivais do L’Unita, jornal do Partido Comunista Italiano, quando ia representar o Brasil nos anos 70/80.

Visitar o Forte de Elmina, no Ghana, me fez descobrir o que passaram aqueles que se tornaram escravos, levados até por parentes… Conhecer essa parte da historia da escravidão, in loco, num museu, foi chocante. Olhar aquele mar maravilhoso que levava os navios cheios de gente tratada como animais, para um mundo novo… !!!

E toda vez que via os nome de quem lutava contra o colonialismo nas ruas do Ghana, me sentia mais velha e  muitas lembranças me voltavam a tona, mas para que serviam? Numa dessas vezes me veio em mente uma conversa com Luiz Carlos Prestes, secretário em exílio do Partido Comunista Brasileiro, quando ele contou que foi chamado por Stalin juntamente com Ho Chi Mim para irem falar com Mao Tse Tung sobre os problemas das fronteiras entre a URSS e a China. Naquele momento eu estava falando com a História, e fiquei toda convencida por conhecer aquele fato da viva voz de quem o viveu…

Acumulei experiências particulares quando cheguei na Itália vinte e cinco anos depois do fim da Segunda Guerra Mundial e quando minha filha começou a ir a escola.  Comecei me  admirando de duas coisas que aconteciam em Bolonha:

1 – as pessoas idosas eram convidadas a irem contar nas escolas o que tinha sido a guerra; o que comiam; para onde corriam quando tocava o alarme, e por que ele tocava; o que perderam… e o que faziam os fascistas.

2 –  outras pessoas idosas ofereciam seu tempo livre para  a Prefeitura que os  utilizava, principalmente, para ajudar as crianças a atravessarem a rua, no inicio ou no fim das aulas, de forma a evitar a formação de filas duplas de carros em frente as escolas,… atrapalhando o transito.

Hoje, posso confrontar as experiências italiana, com o que não acontece aqui com os idosos. Aliás, lá os idosos pagam ônibus e a entrada do teatro também, enquanto aqui o ônibus é grátis, mas bem poucos param para ti, idoso, e, quando vás ao Teatro da Paz, pode acontecer que, para ouvir a Orquestra Sinfônica, gratuitamente, o público parece esnoba-la por falta de publicidade adequada, creio eu.

Na verdade ler e viajar são atos que me permitiram compreender melhor o que vejo acontecer no meu entorno. Confrontar realidades que talvez passem desapercebidas a muitos viajantes e leitores mas que me servem, inclusive, para julgar  o que vivo, onde vivo hoje, e como lutar para melhorar essa realidade. Uma delas é o estacionamento de veículos nas calçadas que também é um problema no primeiro mundo, onde também existem maleducados, mas la, tomam providências colocando balizadores que não desaparecem no dia seguinte.

Descobres o grau de civilidade dos povos; a disponibilidade ou não das pessoas verso o próximo; que o respeito pelo seu patrimônio deriva do conhecimento de sua história; enfim, descobres realmente um outro mundo cheio de exemplos a serem copiados. Esse acúmulo de experiência que aumenta com a velhice, é muitas vezes  desprezado, e inclusive mal suportado quando ousas lembrá-las em voz alta. Envelhecendo, deveríamos poder usa-las, mas nem sempre nos permitem. A maior parte da experiência acumulada pelos idosos, acaba morrendo com eles. É um capital que se perde.


Dulce Rosa Roque
Dulce Rosa de Bacelar Rocque é paraense, formada em Economia pela UFPA em 1967; em Bolonha (Itália) em 1984; em Economia Política pelo Instituto de Ciências Sociais de Moscou (então URSS) em 1971. Trabalhou no setor de promoção de produtos italianos no mercado internacional (SOPROMER) e por mais de vinte anos na Região da Emilia Romagna (Itália) no área do Comércio, setor de programação econômica do território. Autora das leis de programação da rede de distribuição de carburante, entre 1979 e 1994 e daquela relativa aos horários de abertura das atividades comerciais entre 1979 e 2003, publicou o livro “La razionalizzazione dela rete di distribuzione di carburante dell’Emilia Romagna” (1997). Teve intensa atividade política na Itália em defesa da democracia no Brasil, durante a ditadura militar, e escreveu vários artigos em revistas italianas sobre a Amazônia . Realizou o primeiro Círio de Nazaré em Bolonha e, a causa disso, recebeu uma Indulgência Plenária da Confraternitá di S. Rocho nel Pradello (Bolonha- Itália).

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