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No último fim de semana, a apresentação da ópera “Sancta” na Staatsoper de Stuttgart, na Alemanha, causou reações intensas em diversos espectadores e resultou em simplesmente dezoito pessoas passando mal. A montagem inclui como piercing ao vivo, atos sexuais não simulados e o uso de grandes quantidades de sangue real e falso e tem a direção assinada pela coreógrafa Florentina Holzinger. Três espectadores precisaram de assistência médica emergencial, conforme informou Sebastian Ebling, assessor de imprensa da Ópera de Stuttgart, na quinta-feira dia 10 de outubro. A ópera em um ato retrata os últimos momentos de uma freira em conflito, explorando a relação entre o celibato e a luxúria no cristianismo, e incorpora elementos estilísticos do Expressionismo e do Romantismo Gótico.

(Matthias Baus / Staatsoper Stuttgart)

A montagem polêmica é baseada na ópera “Sancta Susanna”, do compositor alemão Paul Hindemith, uma obra da década de 1920 que já causava controvérsias em sua época. A produção dirigida por Holzinger extrapola os limites do tradicional e traz à tona questões sobre espiritualidade, sexualidade e crítica à religião, incluindo cenas com atos sexuais explícitos e críticas visuais à fé cristã, como freiras que rompem seus votos de celibato em busca de liberação sexual.

Em Stuttgart, os espectadores receberam um aviso prévio sobre o conteúdo da peça, que informa sobre as cenas potencialmente perturbadoras, como uso de sangue, incenso, sons de alto volume e efeitos estroboscópicos. Mesmo assim, muitas pessoas se sentiram mal durante a apresentação e buscaram assistência médica ou decidiram abandonar o teatro. “Não significa que todos desmaiaram ou vomitaram, mas vários sentiram-se mal e preferiram sair”, esclareceu Ebling ao Stuttgarter Nachrichten, recomendando aos futuros espectadores que leiam com atenção os avisos sobre o espetáculo.

A produção de “Sancta” já passou por Schwerin e Viena antes de chegar a Stuttgart, porém nessas cidades não registou incidentes similares. Em Viena, a montagem enfrentou críticas severas da Igreja Católica. O teólogo Jan-Heiner Tück criticou o espetáculo por, segundo ele, reproduzir “clichês conhecidos” e apresentou reservas quanto à narrativa simplista da peça. A obra retrata freiras que rompem os muros do convento em busca de liberação sexual, um tema que o teólogo considera abordado de forma superficial.

(Matthias Baus / Staatsoper Stuttgart)

Apesar das críticas, “Sancta” também foi defendida em nome da liberdade artística. Arne Braun, secretário de Cultura do estado de Baden-Württemberg, assistiu à apresentação e destacou a importância de tratar questões como espiritualidade, fé e gênero de maneiras inovadoras no palco. “Essa é a essência da liberdade artística. E quem não quiser ver isso, por favor, fique longe”, comentou Braun à agência de notícias DPA.

Conhecida por suas produções provocativas, Florentina Holzinger tem no currículo uma série de apresentações controversas que exploram os limites do corpo e da performance. Ela frequentemente mistura elementos de dança, teatro e vaudeville, com performances que incluem tatuagens ao vivo, cenas de auto-mutilação e uso de fluidos corporais. Em “Sancta”, Holzinger mostra no palco cenas de amor lésbico e crítica aos rituais cristãos, utilizando a nudez e a violência simbólica para explorar temas de repressão e sexualidade. A obra original de Hindemith, escrita em 1922, também enfrentou resistência em sua estreia por abordar de maneira crua a tensão entre celibato e desejo no contexto do cristianismo. A versão de Holzinger potencializa esses aspectos, integrando elementos contemporâneos e um estilo performático que cutuca os limites do que é considerado apropriado em um palco operístico.

(Matthias Baus / Staatsoper Stuttgart)

“Sancta” está com os ingressos esgotados para todas as apresentações em Stuttgart e na Volksbühne de Berlim, onde será apresentada em novembro, apesar dos incidentes.  A montagem conquistou o posto como um dos temas mais discutidos no meio cultural europeu neste outono, enquanto a crítica especializada se divide. Para muitos, “Sancta” é uma provocação necessária em tempos de renovadas tensões entre religião, arte e a liberdade de expressão. Para outros, é um exemplo de transgressão desmedida que desrespeita sensibilidades e tradições profundamente enraizadas.

Quem estiver curioso pode checar o trailer:

Gabriella Florenzano
Cantora, cineasta, comunicóloga, doutoranda em ciência e tecnologia das artes, professora, atleta amadora – não necessariamente nesta mesma ordem. Viaja pelo mundo e na maionese.

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