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Ministério Público Federal (MPF) ingressou com recurso no último sábado, 10 de maio, junto ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), em Brasília, contra decisão da Justiça Federal em Santarém que autorizou a continuidade de obras de dragagem no rio Tapajós sem a exigência de estudos ambientais completos e consulta prévia, livre e informada (CPLI) aos povos e comunidades tradicionais da região.

O recurso busca reverter a decisão da 2ª Vara Federal de Santarém, que negou um pedido liminar do MPF para suspender autorizações concedidas pelo estado do Pará e pelo Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) para a realização de dragagens no rio. Segundo o MPF, a decisão ignora riscos irreversíveis ao meio ambiente e desrespeita direitos fundamentais garantidos pela Constituição e por tratados internacionais.

“A decisão desconsiderou as graves violações aos direitos socioambientais perpetradas pelo estado do Pará e pelo Dnit, bem como ignorou os riscos irreversíveis que podem advir da continuidade da dragagem no rio Tapajós sem as devidas salvaguardas ambientais e sociais”, afirma o procurador da República Vítor Vieira Alves.

A dragagem, que faz parte do plano de manutenção da hidrovia do Tapajós, pode provocar sérios danos à biodiversidade e à saúde das populações locais, alerta o MPF, com base em documentos técnicos do ICMBio e do Ibama. Entre os principais riscos listados estão a liberação de metais pesados como mercúrio  e de sedimentos tóxicos, com possível contaminação da água e dos peixes consumidos por comunidades indígenas e ribeirinhas; a turbidez da água e alterações no ecossistema, afetando populações de peixes e a cadeia alimentar local, o que ameaça diretamente a pesca artesanal e a segurança alimentar das comunidades; e a destruição de habitats naturais cruciais à reprodução de espécies ameaçadas, como boto-cor-de-rosa, tucuxi, peixe-boi amazônico, quelônios e aves aquáticas.

No recurso, o MPF enumera diversas falhas na fundamentação da decisão da Justiça Federal de Santarém, entre elas a desconsideração dos relatos de lideranças de povos tradicionais ouvidas em audiência pública; a ausência de manifestação judicial sobre a violação ao direito à consulta prévia garantido pela Convenção nº 169 da OIT, da qual o Brasil é signatário; a inversão do princípio da precaução ambiental, ao exigir que o MPF prove um dano já ocorrido — quando a obrigação de provar ausência de riscos é do empreendedor, conforme a Súmula nº 618 do STJ; a contradição entre afirmar que não há “perigo na demora” e ao mesmo tempo reconhecer a existência do Plano Anual de Dragagens de Manutenção Aquaviária (Padma), que pode permitir novas obras sem salvaguardas; o questionamento do argumento de “emergência” usado para uma dragagem anterior, realizada em período de cheia, como forma de driblar exigências legais; e o alerta para o uso da dragagem como instrumento de escoamento de commodities agrícolas, inserida num corredor logístico associado ao avanço do desmatamento e à intensificação da crise climática.

Para o MPF, permitir a dragagem sem o cumprimento das normas socioambientais fere frontalmente o direito de povos indígenas, ribeirinhos, extrativistas, quilombolas e pescadores artesanais de serem consultados previamente sobre obras que podem impactar profundamente seus modos de vida e territórios.

O órgão reitera que a manutenção da hidrovia sem o devido planejamento ambiental não pode ser justificada por supostas emergências construídas a partir de anos de omissão do poder público, e pede a evisão da decisão judicial, exigindo a elaboração de um Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA) completos, incluindo estudos específicos voltados a povos tradicionais e a realização da Consulta Prévia, Livre e Informada (CPLI) nos moldes previstos pela Convenção nº 169 da OIT.

A dragagem no rio Tapajós tem sido alvo de forte mobilização de organizações da sociedade civil, pesquisadores e movimentos indígenas, que denunciam os impactos acumulados de grandes obras de infraestrutura na Amazônia. O caso agora aguarda apreciação no TRF1, enquanto o MPF expõe a necessidade de respeitar os direitos constitucionais e internacionais das populações tradicionais amazônicas.

Foto: reprodução do recurso do MPF

Gabriella Florenzano
Cantora, cineasta, comunicóloga, doutoranda em ciência e tecnologia das artes, professora, atleta amadora – não necessariamente nesta mesma ordem. Viaja pelo mundo e na maionese.

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