Milton Nascimento se despediu em grandes shows. Gilberto Gil anuncia uma turnê de adeus às apresentações em palco. Caetano e Bethânia já percorrem o país em espetáculos para grandes arenas. Chico Buarque não disse nada mas também já correu o Brasil. É o longo adeus da música popular brasileira? Há alguns anos, em uma entrevista, Chico Buarque declarou que a mpb, a música, como conhecemos, introdução, refrão, encerramento, tinha acabado. Agora era um novo tempo, onde a melodia perdera importância para palavras de ordem e percussão tribal. Pode ser.
Quando me entendi como gente, estava em uma casa que respirava música. Meus pais foram cantora, músico e compositor. Cedo já tinha na cabeça a idéia daquele som que usava sempre vozes potentes, com uma dicção forçada, por conta da baixa qualidade de microfones e gravadores. Mas quando veio a bossa nova, já estava nos anos 60, envolvido com Beatles, Rolling Stones e logo logo a Tropicalia, com a geração de 68 nos festivais provocando melodia, letra, arranjo e canto, elevando tudo a outro nível. Depois desse aprendizado é que chegou a bossa nova, que conheci a fundo. Mas então a geração, no âmbito internacional convivia com uma quebra de costumes, mais liberdade, mesmo que aqui no Brasil vivêssemos a ditadura querendo tampar o sol com peneira. Lembro de ainda engatinhando no inglês, ficar espantado com as letras de “Strawberry Fields Forever”, onde não era mais o garoto apaixonado pela garota e sim uma sequencia de imagens delirantes e maravilhosas. À primeira vista não faziam sentido. Caetano veio com “Alegria, Alegria”, na mesma tecla e tudo bem. Chico Buarque nos fazia ser mais inteligentes. Milton Nascimento e sua voz encantando o mundo. Gilberto Gil dando espaço para o Quinteto Violado. Gal Costa e seu umbigo inesquecível no show Fatal. Better, better, Bethânia. Era tudo muito bom, muito tudo, engolir e processar King Crimson, Jimi Hendrix, Yes. Então ainda veio outra geração de Ivan Lins e Gonzaguinha. Ao mesmo tempo, saíram as estréias de Raul Seixas, Luiz Melodia e Sergio Sampaio. Alceu Valença, Zé Ramalho e Elba estavam logo ali. Kleiton e Kledir responderam do Rio Grande do Sul e os paulistas com Arrigo Barnabé. O Ceará mandou Belchior, Fagner e Ednardo. De Minas vieram Beto Guedes, Toninho Horta, Lô Borges. Claro que há muitos outros que esqueci de mencionar. Era fantástico. O que foi que deu errado? Alguns produtores, mais do que aguardar a produção dos grandes artistas, dominaram isso. Compunham e arranjavam músicas mais populares, chamando cantores apenas para registrar. Inverteram o processo. Uma mistura de bolero e jovem guarda passou a vicejar nas paradas. Na Bahia, grupos que ainda eram quase amadores começaram a transformar ritmos locais em algo semelhante aos hits internacionais e explodiram. O axé, aquele do “tira o pé do chão” enriqueceu muita gente. Agora, Caetano, Gil, Milton, Bethania e Chico, por exemplo, passaram a ter seu público em faixa etária mais alta. Nunca mais os hits nacionais. Uma nova geração, com menos vocabulário, menos musicalidade e por isso mesmo falando para um público carente de educação e opinião, foi abraçada e alçou grandes sucessos. Quanto pior, melhor. Acabou o vinil, o cd e agora é streaming. Ninguém mais vai a um teatro assistir a um show de uma Adriana Calcanhoto. Todos querem pular, suar, beber, cantar e voltar exaustos, onde nenhuma mensagem, nenhuma cultura ficou. É um novo tempo. Sempre quis que os músicos paraenses ressignificassem o brega, o som mais popular, mas com alguma qualidade, seja de letra, melodia, som e vozes. Os melhores não aderiram e os outros, dispostos a tudo e mais ainda, oferecendo o seu melhor, começam a se destacar, furando a bolha, como Joelma, Gaby e Batidão.
Sim, é o adeus da música popular brasileira, como entendemos que era. Agora, o dilúvio? Ainda pipocam aqui e ali alguns novatos, mas ainda não me empolgam. Do outro lado, avalanche.
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