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Washington Olivetto, que escreve em O Globo às segundas feiras, direto de Londres, fez uma homenagem às rádios AM, que lhe influenciaram muito como redator publicitário. Comecei a trabalhar em AM, também, na emissora de minha família, Prc5 Rádio Clube do Pará, a voz que fala e canta para a planície. Foi um grande aprendizado sair da bolha protetora do ambiente em que vivia, para conviver com apresentadores como Haroldo Caraciollo, Jacy Duarte, Ivo Gato, Kzan Lourenço, Waldir Araújo e tantos outros. Raposas do microfone, ágeis no improviso, peritos na linguagem do povo, eles, juntamente com técnicos e programadores que me fizeram amadurecer e observar pessoas novas e seus maneirismos, humores e raivas. Nessa época, lá fora, o mundo passava por uma revolução, envolvendo principalmente a música como elemento renovador. Mesmo com pouca informação, os jovens do Pará também estavam sedentos por novidades. Para eles, começamos com novos programas tocando música pop, rock and roll e noticiário. O Sábado Gente Jovem foi um exemplo, até hoje lembrado por quem era jovem naqueles dias. Trabalhar em AM também me ensinou sobre ritmos e gêneros mais populares. Quando comecei a compor jingles, percebi que tinha na cabeça a estrutura básica de vários gêneros musicais. Meu irmão montou um estúdio. A Rádio Cidade Morena FM tinha uma programação moderna e a maioria dos anúncios ainda usava um modelo antigo, como das AM. A idéia era rejuvenescer e fui encarregado de compor os jingles. Mas como, se não tocava, nem toco nenhum instrumento? Foi usando toda a informação musical acumulada na cabeça, a linguagem popular nas letras, que consegui. Meu primeiro jingle foi para a loja “Vespa da Brito”, braço da Tágide. Gravei os primeiros 10 segundos de uma música da banda The Cure, emendei até 30 segundos e criei uma melodia e letra. Recebemos um prêmio norte-nordeste. Vieram muitos outros, principalmente o jingle do Roxy Bar, este, já contando com instrumental no Studio C onde entrei com melodia e letra, aquela do “descubra o prazer de estar lá”. Me empolguei e novamente, porque não havia ninguém para compor, fiz a trilha do espetáculo “A Terra é Azul”, do Grupo Experiência, com Carlos Reimão tocando as guitarras e eu na bateria eletrônica. Demos sorte, fomos premiados em um festival de teatro. Logo depois, compus em uma manhã, bem cedo, correndo pela cidade, a trilha de “A Mulher Sem Pecado”, de Nelson Rodrigues, com o Experiencia. Olho para esse tempo e percebo que o rádio, onde, para tudo é preciso estar pronto, detonou em mim a criação em diversas áreas, pela absoluta necessidade. Estamos prontos para criar uma propaganda, escrever texto publicitário, requerimento, ofício, mensagem e artigos. Tenho orgulho dessa riqueza toda que colhi, sempre trabalhando com algo que amava fazer. Esse, o grande segredo. Percebi que nos jingles, trabalhava com padrões, conforme o ritmo e o estilo. Um jingle premiado foi para Catuaba do Norte, pela Mendes Publicidade, que ganhou prêmio do Clube de Criadores de São Paulo. A idéia era algo popular e pensei em um xote. Xote é Luiz Gonzaga. Conseguimos um forrozeiro que imitava o grande Lua. Pronto. Trabalhando nos padrões. De outra vez era para um prédio, Las Leñas e então pensei em um tango. Walter Bandeira gravou. Ficou bem legal. Houve outro, que ficou famoso, para o Cearense Pré Vestibular, aquele das feras do vestibular. E o do Chevy, para a Importadora, que entrou na parada de sucessos da rádio? Comecei escrevendo sobre AM e entrei pelos jingles. Eles me ensinaram muito. A necessidade, também. Compus mais de cem. Também trilhas sonoras, sempre com a ajuda de músicos excelentes e pacientes até que eu ensinasse exatamente o que desejava. Luiz Pardal, Jacinto Kahwage e Rick Sandres estiveram na maior parte deles. Auxílio luxuoso. Lembrei de um musical, auge da audácia e da necessidade, “Barata, pega na chinela e mata”, do Grupo Cuíra, no Teatro Cuíra. Compus sambas, marchas, baladas, ufa, e contei com Walter Bandeira, Nilson Chaves, Lucinha Bastos e até o mano Edgar para cantar. Foi maravilhoso. Me dá a impressão de que posso compor qualquer coisa, claro, à parte o conceito de bom ou ruim. Cito também minha mãe que cedo me mostrou que podia compor música, sem tocar nada. E novamente, o rádio AM, que me formou. Pois é.

Edyr Augusto Proença
Paraense, escritor, começou a escrever aos 16 anos. Escreveu livros de poesia, teatro, crônicas, contos e romances, estes últimos, lançados nacionalmente pela Editora Boitempo e na França, pela Editions Asphalte. Foto: Ronaldo Rosa

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