Publicado em: 19 de maio de 2025
Daqui a alguns anos, quando olharmos para trás e lembrarmos que Belém foi sede da COP 30, talvez pensemos nas obras. Novas avenidas, praças revitalizadas, equipamentos modernos, uma cidade maquiada para as lentes do mundo. Tudo bem-vindo, é verdade.
Belém precisa, sim, de infraestrutura urbana, sobretudo. Mas o legado que precisamos mesmo não pode ser só isso. Precisamos de um novo plano urbanístico que seja duradouro, para além dos tempos de mandatos, de um projeto enraizado no chão amazônico, que reconheça que nossa cidade é floresta — e não um cenário tropicalizado de metrópoles do sul.
As soluções europeias que nossos colonizadores trouxeram, e em seguida, foram dirigidas pela indústria do sudeste, não são adequadas ao bioma amazônico. As inundações de Belém não deixam dúvidas. Mas sem investir em produção de conhecimento urbanística de engenharia local, ainda afundamos Belém mais e mais, apesar das novidades regionais que tentam ganhar visibilidade.
A COP 30 é um marco. Estamos assistindo a aplicação de um montante de investimentos que talvez seja paralelo ao que tivemos com a economia da borracha. Mas a COP 30 não pode ser o marco zero de uma consciência que deveria ser cotidiana. A adequação urbana de Belém ao bioma amazônico não pode vir apenas de fora pra dentro, nem de cima pra baixo. Precisa ser nossa. Precisa respeitar a paisagem, o povo, a cultura e o saber acumulado pelas comunidades. E melhor ainda seria se as obras viessem das mãos de quem já vive aqui. Se as empreiteiras fossem locais, se os operários fossem moradores daqui, se os recursos públicos servissem à geração de fluxos de riqueza a partir de dentro.
O maior desafio da sustentabilidade na Amazônia não é apenas preservar árvores — é manter a dignidade das pessoas que vivem entre elas, valorizando suas culturas e saberes. Hoje, quase 60% das famílias paraenses dependem do Bolsa Família para garantir o básico. E ainda convivemos com mais de 30% de analfabetismo funcional na região amazônica. Enquanto isso, exportamos bilhões em commodities — soja, minério, madeira — com pouca ou nenhuma agregação de valor. Um modelo herdado da colonização, que continua a extrair muito e a devolver pouco.
Me pergunto como os empresários do varejo local, que não são só os pequenos, conseguem se manter inertes ao modelo da economia das commodities que lhes tira consumidores dia após dia. Ainda não consegui entender, por exemplo, como um construtor local pensa em crescer abrindo mão de 90% da população do estado que não tem renda nem pra sonhar com um apartamento digno. E isto vale para a maioria dos setores.
E os serviços? Com um analfabetismo funcional desses, como os consumidores lidam com a qualidade média do atendimento? As grandes economias já sacaram que riqueza é qualidade de vida e isso depende de acesso de todos à vida digna a partir da educação. Aqui, como está, mesmo quem tem dinheiro, não desfruta da qualidade de vida de outras praças, daí a secura das elites em viajar pra fora e falar mal de onde ganha. Não percebem que se querem aumentar o valor do dinheiro que possuem, precisam diminuir as desigualdades que aviltam sua própria segurança e conforto. Mas voltemos ao ponto do legado…
A COP 30 precisa nos fazer enxergar o óbvio: não é possível esperar o próximo grande evento para discutir o que somos e o que queremos ser. Não podemos mais assistir passivamente à fuga de nossas riquezas, à custa do atraso social que nos aprisiona. É hora de virar o jogo. De exercer nosso protagonismo. Com autonomia. Com política. Com educação. Com autoestima. Com autonomia.
Valorizar nossos recursos deve começar pelo consumo consciente aqui mesmo. Só então poderemos estruturar cadeias produtivas da sociobioeconomia, criar negócios, fortalecer cooperativas e comunidades, desenvolver indústrias que saibam combinar tecnologia e conhecimentos ancestrais internalizando riqueza. Só assim teremos turismo sustentável — aquele que não se impõe sobre o povo, mas nasce da sua cultura viva e diversa.
Mas não basta desejar. É preciso estruturar, organizar. Um legado real da COP 30 só existirá se formos capazes de desenhar, juntos, uma plataforma de estratégias de desenvolvimento que seja permanente. Que fiscalize os investimentos públicos, que oriente o capital privado, que forme uma nova geração preparada para um novo modelo: não o da economia que extrai, mas o da economia que transforma, nos transforma.
Talvez o maior legado da COP 30 não esteja nas avenidas, mas nas ideias. Não nas obras, mas nos compromissos e comportamentos. E, sobretudo, na coragem de exercer protagonismo e finalmente colocar a Amazônia no centro do seu próprio destino.
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