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Retrato de uma jovem em chamas (de Céline Sciamma), exibido no Cine Líbero Luxardo em março de 2020. Foto: Divulgação 

O prazer de assistir filmes em sala escura, som digital e sair da sessão com aquela sensação de que na semana que vem voltarei ao cinema está suspenso desde março de 2020, com as necessárias regras de vigilância sanitária e prevenção pandêmica, como procedimento de bom senso e sobrevivência. O cinema, como indústria poderosa de entretenimento e cultura, rapidamente se adaptou com a velocidade do streaming via computador, celular, smartTV e outras mídias. 

Desde o ano passado, a distribuição substituiu salas comerciais e do circuito alternativo por exibições via streaming, com ofertas e pacotes de filmes que podem ser acessados de forma paga ou gratuitamente. O que não foi substituído foi o ritual de ir a uma sala escura e deixar a retina em sedução por imagens e sons em movimento: o prazer de ver filmes no cinema.  

O circuito alternativo de exibição em Belém (antes formado pelo Cine Estação, Cine Líbero Luxardo e Cine Olympia) sempre representou peça fundamental de resistência cultural, com a exibição de filmes locais, nacionais e internacionais que não encontram espaço no chamado circuito comercial (Cinépolis, Cinesystem, Moviecom).  

Com a pandemia do novo coronavírus, houve uma parada brusca na exibição de filmes de festivais, clássicos, produções contemporâneas ousadas e inventivas que tinham local cativo e formação de público no circuito alternativo. No Cine Estação, a parada se deu bem antes da Covid 19, com exibições que não atendiam mais a necessária regularidade de exibição e a falta de manutenção de projetor digital. O mesmo problema está no Cine Líbero Luxardo, com informações de falta de manutenção e uso do projetor digital.  O Cine Olympia ainda não possui exibição cinematográfica digitalizada e a comunidade cinéfila espera que a transição possa ser realizada depois que a crise sanitária der sinais de maiores abrandamentos e a volta do público.  

Enquanto o circuito comercial oficialmente abre as portas para o ensaio de normalidade que nem supostamente estaria por vir, o bom senso prevalece com a suspensão de sessões nos cines Olympia e Líbero Luxardo. Entendemos a sala de cinema como local necessariamente fechado e, mesmo com todos os protocolos cumpridos, é de livre arbítrio o risco de contágio ao permanecer por aproximadamente duas horas ou mais em ambiente com restrita circulação de ar.  

Os projetores digitais dos cines Estação e Líbero Luxardo são equipamentos caros e requerem periódica manutenção e continuidade de uso (não podem ficar muito tempo parados). Tudo depende de iniciativa política e administrativa em ação permanente que coloque a cultura como ferramenta de gestão essencial na formação e no hábito cultural de frequentar não só salas de cinema, como também teatros, exposições, apresentações musicais e outras demandas produzidas por uma das classes de profissionais mais atingidas pela crise sanitária: os produtores culturais. 

O que fazer diante disso? Uma atitude da sociedade civil organizada que se articule, apresente possíveis soluções e acompanhe providências e ações afirmativas para que a cultura não seja deixada de lado. Caso a reação organizada não ocorra, corremos o risco de lamentar a subutilidade ou mesmo a perda de espaços historicamente conquistados para outros eventos que em nada dialogam com o espetáculo da sétima arte.  

A regularidade do público em espaços culturais é um trabalho que exige continuidade nas exibições, divulgação constante na imprensa tradicional e digital, capacidade de manter o público já conquistado e ampliação do raio de ação na busca de novas plateias. A satisfação se dá nas temporadas de sucesso com casa lotada e filas por ocasião da exibição de filmes nacionais e internacionais nos cines alternativos. Sim, cinema de autor, cinema de arte dá retorno institucional para administração pública e mantém empregos e circulação de renda para produtores independentes e distribuidoras com perfil segmentado.    

O cinema é uma das artes mais importantes do século XX e XXI, e de fundamental importância para a cidadania e formação cultural, social e comportamental. A possibilidade de sucateamento de equipamentos culturais afeta toda a cadeia produtiva de bens simbólicos e materiais da sociedade como um todo, pois atinge vários segmentos de forma indireta. Hoje, está em curso o desmonte da produção cultural no país por meio de várias frentes aniquiladoras do fazer e do fruir artístico. Há a necessidade urgente de neutralizar o avanço do obscurantismo e pontos de cultura já se organizam. 

Belém é uma das cidades brasileiras com tradição no circuito alternativo de filmes, com salas de exibição, cineclubes, críticos e estudiosos de cinema, animação, festivais e produção de curta, média e longa metragem. Belém é parte do cinema paraense que resiste, legado cultural que não pode se perder. 

*O artigo acima é de total responsabilidade do autor.

José Augusto Pachêco
José Augusto Pachêco é jornalista, crítico de cinema com especialização em Imagem & Sociedade – Estudos sobre Cinema e mestre em Estudos Literários – Cinema e Literatura. Júri do Toró - 1º Festival Audiovisual Universitário de Belém, curadoria do Amazônia Doc e ministrante de palestras e cursos no Sesc Boulevard e Casa das Artes.

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