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Abandonado há cerca de quatro décadas, o casarão histórico situado na Av. Assis de Vasconcelos, esquina com a rua 28 de Setembro, no bairro do Reduto, em Belém do Pará, foi demolido anteontem à noite por pessoas não identificadas.

Por volta das 19h30, um caminhão com retroescavadeira estacionou em frente ao imóvel, sem fiscalização de órgão algum, sequer de trânsito ou o Corpo de Bombeiros Militar, muito menos Fumbel, Dphac ou Iphan, responsáveis pelo patrimônio histórico, artístico, arquitetônico e cultural. Colocaram – vejam só – um vaso sanitário na rua a título de isolamento enquanto demoliam a edificação histórica. Foi tão absurdo que parte do casarão derrubado caiu para o lado da 28 de Setembro, onde casas vizinhas são habitadas por famílias. Ademais, a ação foi executada à noite, e na ausência dos órgãos responsáveis, sem as necessárias providências para proteção da vizinhança e dos passantes. Moradores do bairro testemunharam e fotografaram a cena. Um deles até fez uma live nas redes sociais mostrando o acontecimento inacreditável.

Como se sabe, os bens tombados não podem ser destruídos, nem reparados ou restaurados, sem a prévia autorização do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, sob pena de multa. Resulta até em prisão. Vale lembrar que o imóvel demolido fica em bairro histórico, tombado, e no entorno de sítios arqueológicos (o porto de Belém e a Fortaleza de São Pedro Nolasco).

Ferro, entulho, matagal e lixo se acumulavam no casarão, a estrutura estava em ruínas há décadas. A fachada era mantida em pé escorada em estruturas de ferro que ocupavam toda a calçada, além dos escombros da parte desabada. A vegetação cobrira todas as colunas e paredes. O teto já tinha ruído e as paredes interiores também. Como não foi lacrado pelo poder público, entravam nele pessoas em situação de rua, usuários e traficantes de drogas, assaltantes, todo tipo de criminosos. Várias pessoas foram estupradas – inclusive crianças – e assassinadas no local, sem qualquer providência.

Nessa casa morou o primeiro brasileiro a atuar em Hollywood, o paraense Sinésio Mariano de Aguiar, o famoso Syn de Conde, que, nos EUA, dividiu um quarto com Rodolfo Valentino. Filho de rico empresário de Belém nos áureos tempos da borracha, Sinésio foi enviado pelo pai para estudar na Suíça, mas era um playboy inveterado e achou melhor flanar em Paris e Los Angeles, onde num café mandou pelo garçom um buquê de rosas para a atriz russa Alla Nazimova com o nome Syn (com y para não confundir com “sin” que em inglês representa pecado) e Conde (porque estava escrito na garrafa do vinho em sua mesa). A estratégia do Don Juan tupiniquim rendeu um convite para ir ao estúdio em que a beldade atuava no filme “Revelation”, produzido em 1918. Ao ver a cena dançante, Sinésio avisou ao diretor que os passos do ator estavam errados e, boêmio de cabarés parisienses, deu show mostrando como se dançava. Ganhou o papel e virou celebridade. Repatriado aos trópicos, viveu no Rio de Janeiro e suas histórias eram contadas nos saraus da sociedade, inclusive em Belém, onde recebia amigos no casarão de sua família.

E assim, mais um pedaço da memória de Belém se foi.

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