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José “Pepe” Mujica fez sua Páscoa nesta terça-feira (13). Ele completaria 90 anos no próximo dia 20.

Era um homem extraordinário, muito à frente de seu tempo. Fez, como diz o caboclo parauara, de um tudo: na década de 1960 se juntou aos guerrilheiros Tupamaros, foi baleado em uma pista de boliche, socorrido no Hospital Militar, e o cirurgião de plantão era um companheiro, que o salvou. Preso e torturado durante mais de 14 anos, libertado em 1985 pela ditadura militar uruguaia, acabou presidente do Uruguai de 2010 a 2015 e desde então surpreendeu o mundo com seus discursos e vida austera. É um raro exemplar da fauna política: não enriqueceu, não se isolou, não se achou superior.  Até o fim, viveu com simplicidade extrema, fora da zona urbana, sozinho com a esposa, a ex-senadora Lucía Topolansky – que conheceu quando era guerrilheira em 1971 -, sem cuidadores nem empregados, mesmo sendo um casal de idosos, e ainda dirigia um velho trator. A cereja do bolo, ao final da existência terrena: viu a eleição de seu herdeiro político, Yamandu Orsi, presidente do Uruguai em 24 de novembro do ano passado, com grande votação do seu grupo político, o Movimento de Participação Popular (MPP).

Era um gigante em corpo frágil, ateu declarado mas respeitava todas as religiões. Seu comportamento humilde por si só atraía os holofotes planetários. Sábio, ensinava a diferença entre valor e o preço. E aconselhava coisas simples e absolutamente verdadeiras, mas que a sociedade não consegue internalizar:

“Se a necessidade me obriga a gastar tempo para obter meios financeiros com os quais tenho que pagar pelo consumo que tenho, não sou livre. Sou livre quando dedico tempo da minha vida ao que gosto e ao que quero. Sim, porque é meu. É para isso que as pessoas têm menos tempo hoje em dia.

“Costuma-se dizer: “Não quero que falte nada ao meu filho”. Sim, mas idiota, você faz falta, porque nunca tem tempo para seu filho.”

“Vamos ter que pagar pelo que estamos fazendo. Não vou estar vivo, mas não se pode fazer nada acima da Terra; a natureza nos cobra. E ela começa a nos cobrar. O medo é que a humanidade caminhe para uma espécie de Holocausto ecológico. Não porque ela não saiba; ela sabe há mais de 30 anos o que está acontecendo, e sabe o que precisa fazer. Os cientistas disseram isso em Kyoto há cerca de 32 anos, e não estavam errados: os fenômenos adversos vão ser mais frequentes, mais profundos e maiores. É o que está acontecendo. De repente, há uma grande seca… ou de repente caem 400 milímetros de chuva em um curto espaço de tempo.”

“Sempre achei que o melhor líder não é aquele que faz mais; é aquele que deixa um grupo que o supera com vantagem. Passei a vida toda tentando promover e dar a eles oportunidades, porque tenho consciência de que as causas sociais e políticas são mais longas do que nossa vida. E que a única maneira de terem uma certa validade é assimilando pessoas novas para levantar as velhas bandeiras e readaptá-las às conjunturas em que vivem”.

Mujica aprovou em 2013 lei liberando consumo de cannabis. Foi muito criticado por ser esquerdista. Agora, vários estados norte-americanos, como a Califórnia, também já liberaram. A esse respeito, ele comentou:

“A realidade (das drogas) é muito mais profunda. Há 80 anos combate-se o narcotráfico e mal conseguimos arranhar sua superfície. Reconhecemos que, para mudar esse quadro, não podemos continuar fazendo sempre o mesmo. Temos dois problemas: a praga da dependência das drogas e a praga do narcotráfico. Se começarmos a regular o uso da droga, eliminamos o narcotráfico. Resta o problema médico – mas identificando e conhecendo o consumidor, podemos atendê-lo a tempo. As pessoas às vezes se esquecem de como eram quando jovens. Quanto mais se proíbe um jovem, mais ele quer fazer as coisas. Eu creio que as drogas são uma praga, mas proibir é como dizer às pessoas “experimente!”. Não há bicho mais estúpido que o ser humano, o único capaz de fazer mal a si mesmo”.

Ave, Pepe Mujica, presente!

Franssinete Florenzano
Jornalista e advogada, membro da Academia Paraense de Jornalismo, da Academia Paraense de Letras, do Instituto Histórico e Geográfico do Pará, da Associação Brasileira de Jornalistas de Turismo e do Instituto Histórico e Geográfico do Tapajós, editora geral do portal Uruá-Tapera e consultora da Alepa. Filiada ao Sinjor Pará, à Fenaj e à Fij.

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