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Um caso curioso foi julgado no último dia 27 pela Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça. Aluísio Fábio Veloso Grande foi contratado como advogado para defender os interesses do Grupo Borges Landeiro, ao qual prestou serviços advocatícios, judicial e extrajudicialmente. Mas, depois da homologação do plano de recuperação judicial, espontaneamente, apresentou noticia criminis ao Gaeco do Ministério Público de Goiás para fazer delação premiada do ex-cliente. Voluntariamente, entregou celular, laptop e documentos que lhe foram confiados, o que resultou no PIC nº 4/2019, envolvendo quinze pessoas, às quais foram imputados crimes de organização criminosa voltada à prática de crimes falimentares e conexos na recuperação judicial (lavagem de dinheiro, ocultação de bens, direitos e valores). O Tribunal de Justiça do Estado denegou habeas corpus para trancar a ação penal. Opostos embargos de declaração, foram rejeitados.

 À unanimidade, o STJ deu provimento ao recurso em habeas corpus para declarar a nulidade da colaboração premiada e das demais provas derivadas, por ofensa ao sigilo profissional, e determinou o trancamento da ação penal, beneficiando todos os denunciados. Considerando a gravidade da conduta, oficiou ao Conselho Federal da OAB para apuração de eventual infração disciplinar no exercício da advocacia.

No voto do relator, ministro João Otávio de Noronha, endossado pelos ministros Jorge Mussi, Reynaldo Soares da Fonseca, Ribeiro Dantas e Joel Ilan Paciornik, foi consignado que o dever de sigilo profissional imposto ao advogado e as prerrogativas profissionais não têm em vista assegurar privilégios pessoais, mas sim os direitos dos cidadãos. Citando o ícone do constitucionalismo brasileiro José Afonso da Silva, afirma que a inviolabilidade da atividade do advogado, “na verdade, é uma proteção ao cliente que confia a ele documentos e confissões da esfera íntima, de natureza conflitiva e não raro objeto de reivindicação […]” (Curso de Direito Constitucional Positivo. 5ª ed. São Paulo: RT, 1989, p. 504). Reforçando, colacionou paradigmático voto do ministro Luis Felipe Salomão, lembrando que “a advocacia, enquanto função essencial da Justiça, por definição constitucional, não sobrevive se não for a certeza de que o sigilo profissional representa a base sobre a qual se sustenta seu exercício”.

O STJ considera que não há ilicitude na conduta do advogado que apresenta em juízo documentos e provas de que dispõe em razão do exercício profissional para se defender de imputação de prática de crime feita por um cliente, em razão do princípio da ampla defesa e contraditório. O que é inadmissível é a conduta do advogado que, independentemente de provocação e na vigência de mandato de procuração que lhe foi outorgado, grava clandestinamente suas comunicações com seus clientes com objetivo de delatá-los, e entrega às autoridades investigativas documentos de que dispõe em razão da profissão, violando o dever de sigilo profissional. Até porque, em qualquer investigação que viole o sigilo entre o advogado e o cliente, resta violada não só a intimidade dos envolvidos, mas o próprio direito de defesa e, em última análise, a democracia.

O advogado Aluísio Grande gravou as comunicações com seu cliente Dejair José Borges, sócio-administrador do Grupo Borges Landeiro, durante uma reunião. Os ministros entendem que essa conduta revela má-fé, não tem justa causa e inspira desconfiança sistêmica na própria OAB, cuja indispensabilidade para administração da justiça é reconhecida na Constituição Federal. Por isso, concluíram pela ilegalidade da conduta do advogado “que trai a confiança nele depositada, utilizando-se de posição privilegiada, para delatar seus clientes e firmar acordo com o Ministério Público”.

E como a Constituição assentou que são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos, e o Código de Processo Penal repele, por isso mesmo, quaisquer elementos probatórios que resultem de violação do direito material (ou, até mesmo, do direito processual), não prevalece, em consequência, a fórmula do “male captum, bene retentum” (prova mal colhida, mas bem produzida), fulminou o STJ.

Leiam aqui a íntegra da decisão.

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