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A Ouvidoria-Geral da Defensoria Pública do Estado do Pará vai encaminhar um relatório sobre o crime ambiental causado pelos arrozais da família Quartiero no município de Cachoeira do Arari, no arquipélago do Marajó, aos órgãos de defesa dos direitos humanos, ambientais, parlamentos estadual e municipal, entre outros.

No relatório constará as denúncias dos impactos sociais e ambientais do cultivo de arroz, causados pela pulverização descontrolada de agrotóxico na plantação, pelo desvio do rio Arari e aterramento dos lagos locais para irrigar o arrozal, pela devastação acelerada da floresta, ações que têm afetado brutalmente a vida de toda a população rural e urbana de Cachoeira do Arari e todo o ecossistema local.

O cultivo dos arrozais em Cachoeira do Arari já ocupa uma área de 13 mil hectares, correspondendo a 30% do território do município. “Praticamente eles são donos de tudo, dominam tudo”, afirma a moradora Edilene Bragança.

Constatação do crime

Na última sexta-feira, 11 e sábado, 12, a ouvidora-geral Norma Miranda e equipe foram a Cachoeira do Arari e se reuniram com as mais de 500 famílias afetadas diretamente pela falta de moradia na cidade, ouvindo os relatos in loco. Elas denunciam que com a expansão do plantio de arroz na zona urbana de Cachoeira não existe mais nenhuma área para serem construídas novas moradias.

Por isso, as famílias ocuparam uma área de cerca de 800 m por 600m na entrada da cidade, ao lado do bairro do Choque, dividida pelo arrozal apenas por uma estreita estrada de barro e que é reivindicada pela família Quartiero.

No entanto, as famílias ocupantes, toda a população da cidade (cerca de 25 mil habitantes, segundo o censo 2022 do IBGE) e até o prefeito municipal, Antônio Augusto Figueiredo – Bambueta, afirmam que a área é pública e que os documentos apresentados pela família Quartiero não são legais.

“Estamos aqui clamando, pedindo socorro às autoridades, aos órgãos de defesa dos direitos humanos, de defesa do meio ambiente, de defesa daa moradia digna, defesa da vida. A população de Cachoeira não aguenta mais essa situação”, garante Arlete Vales, uma das líderes do Movimento de Moradores por Moradia e Impactados por Crimes Ambientais em Cachoeira do Arari.

Abaixo-assinado

O movimento produziu um abaixo-assinado, contendo mais de 600 assinaturas, que deverá ser entregue à Câmara de Vereadores, Prefeitura Municipal, Ministério Público, Defensoria Pública, secretarias estaduais, Assembleia Legislativa, entre outros órgãos, requerendo ajuda para resolver o problema.

Geórgia Gomes também integra o movimento e conta que ela mora no quintal da mãe, numa área que deveria ser a cozinha de seus pais e outras cinco famílias de seus irmãos também moram no quintal dos pais. “Somos seis famílias amontoadas no mesmo espaço, morando em quartinhos, numa carência de termos nossas casas. Precisamos de ajuda para expandir o espaço da cidade. A população de Cachoeira cresceu e precisa de mais moradia”, explica a moradora.

Assim como Geórgia, diversos moradores de Cachoeira moram nos quintais dos pais, após formarem suas famílias. Os quintais da cidade, que antes tinham muitas árvores frutíferas, estão sendo transformados em habitações precárias pela falta de espaço para construção de novas moradias.

Só fica o veneno

“Para Cachoeira ele só deixa o veneno”, dispara o prefeito Bambueta. Ele assegura que a situação foi imposta ao município em 2013 pelo então governador Simão Jatene, que viabilizou as condições para a família Quartiero plantar o arrozal na área comprada de família de fazendeiro da região. Além disso, o governo estadual à época construiu uma estrada, toda pavimentada e sinalizada e doou para a empresa escoar o arroz pelo rio Arari até o porto de Icoaraci. Nesta via nenhum morador pode trafegar, apenas os donos e funcionários do arrozal.

Segundo o prefeito de Cachoeira, a empresa emprega uns 20 trabalhadores braçais do município e o restante da atividade é mecanizada e para a parte mais especializada eles contratam profissionais de fora da cidade. “Cachoeira não leva vantagem nenhuma, não há nenhum beneficio, só prejuízo”, assegura o prefeito.

Quanto à área ocupada pelas mais de 600 famílias, o prefeito assegura que a área é pública, que a documentação apresentada é adulterada e que já se reuniu com o Ministério das Cidades, em Brasília, onde requereu ajuda para construção de um conjunto habitacional com formato de bairro, mas que daria para atender apenas cerca de 150 famílias, contendo escola, unidade de saúde, praça e até estádio de futebol.

Porém, ele estima que o déficit habitacional de Cachoeira é bem maior que mil moradias. Portanto, segundo o prefeito, a saída seria a desapropriação da área do arrozal da família Quartiero, que compreende mais de 13 mil hectares. “Quando começou a produção de arroz era na área rural, de uns anos pra cá eles têm expandido e agora entraram na área urbana”, explica o prefeito.

O gestor diz que não entrou na justiça para contestar o prejuízo que arrozal vem causando à população e ao ecossistema de Cachoeira porque já existem duas ações judiciais movidas pelo Ministério Público Federal contra a empresa da família Quartiero. Mas ele garante que nem se relaciona mais com Paulo (o pai) ou Renato Quartiero, o filho que toma conta da empresa que produz o arroz Acostumado, beneficiado no distrito de Outeiro, em Belém.

Abandonados e esquecidos

No entanto, os moradores se queixam de que a Câmara de Vereadores, Prefeitura Municipal, Ministério Público, Governo do Estado, todas as esferas públicas têm conhecimento da situação de calamidade que Cachoeira do Arari enfrenta. “Tá todo mundo de braços cruzados. Todos os dias jogam veneno na nossa cabeça, nas nossas casas, nossos quintais estão envenenados, nossos animais doentes, nossas hortaliças, frutíferas, tudo está contaminado, não é só a água do rio. Adultos e crianças sofrem com coceira no corpo, o peixe está desaparecendo e nem espaço mais para construir uma casa temos. O que falta pras autoridades enxergarem?”, se queixa um morador do bairro do Choque, que pediu pra não identficar seu nome, por medo de retaliação.

César Vale

O morador César Vale, 58 anos, além de desempregado, está com o corpo cheio de coceiras, segundo ele, causadas pelo veneno pulverizado diariamente pelo avião do arrozal. Ele levantou a camisa e mostrou a pele da barriga e costas e contou que as outras pessoas de sua família estão do mesmo jeito. “Precisamos de ajuda. O povo de Cachoeira pede socorro”, clama.

Rio da subsistência

O rio Arari é a fonte de vida e move a economia em Cachoeira do Arari. O pequeno município quase não gera empregos, por isso, a população depende do rio. Um pequena parte da população trabalha em pequenos comércios, na feira ou em alguns órgãos públicos. A maior parte depende de programas sociais de renda, da agricultura de subsistência, do agroextrativismo e a grande maioria da pesca.

Nos últimos 13 anos, toda essa dinâmica econômico-social de Cachoeira tem sido extremamente afetada pela imensidão do arrozal da família Quartiero.

Os pescadores e o resto das pessoas da cidade denunciam que a água do rio está sendo bombeada na cabeceira, sendo desviada para formar canaletas de irrigação dos arrozais, que ficam na região da PA-154. Dos dois lados da rodovia, a imensidão dos arrozais e a devastação das florestas, que antes eram parte da paisagem dos campos de Cachoeira, decantados pelo escritor Dalcídio Jurandir, alarmam quem passa pelo local e constata a situação.

No período de chuvas, as canaletas de irrigação transbordam e as águas escoam para os lagos que são os nascedouros de várias espécies de peixes, tartarugas, entre outras. Os pescadores asseguram que os peixes afetados pelo veneno do arrozal já estão sofrendo mutações e que muitas espécies estão desaparecendo. O caso do tamuatá é o mais preocupante, pois eles afirmam que o peixe – um das espécies mais consumidas na região -, está mudando até de cor, muitos são encontrados com parte do corpo branca e preta.
“A empresa alega que o veneno não infuencia, mas nós pescadores estamos vendo a mudança dos peixes, que estão doentes, cada vez mais difícil de achar. Está muito difícil”, conta o pescador Sidney Avelar.

No mercado municipal, os pescadores contaram que além de contaminar as águas do rio com o agrotóxico dos arrozais, a empresa domina tudo. Tanto que eles não podem mais pescar após as 18 horas, pois a área imensa das fazendas de arroz se estendem margeando o rio Arari. “Os pistoleiros mandam a gente sair da área dizendo que é propriedade privada. Estamos com muita dificuldade para pescar, muitas vezes vamos pescar em Salvaterra para poder conseguir peixe. Somos ameaçados e cada vez mais raro conseguir pescar a quantidade suficiente”, conta um pescador no mercado. (Nome dele foi preservado por questão de segurança).

Os pescadores também contam que nas fazendas são obrigados a pagar para pegar peixe no rio. “Eles pesam o pescado que pegamos e cobram por peso. Eu cheguei a pagar R$3 por cada quilo pescado. A gente tá pedindo socorro e ninguém nos atende”, informou o pescador.

Lago do Tatu

Uma das áreas mais ricas em biodiversdade é o lago do Tatu, que abriga a maior parte das espécies de pescado que migram pro rio Arari. O lago está sendo aterrado pela empresa para expandir o arrozal, deixando a população de Cachoeira revoltada, especialmente os pescadores.

Arlete Vales

“Outros lagos, que eram nascedouros das espécies de peixes e tararugas já desapareceram e deram lugar à plantação de arroz. Se eles conseguirem matar o lago do Tatu de vez será o maior crime ambiental já cometido nesta região”, denuncia a líder do Movimento de Moradores por Moradia e Impactados por Crimes Ambientais em Cachoeira do Arari, Arlete Vales.

“Eu sou extrativista, vivo de colher tucumã para fazer óleo, e outras espécies. Agora, para conseguir qualquer fruto temos que ir bem longe porque aqui tudo foi derrubado”, lamenta Marilene da Conceição. Ela informa que até antes da empresa se instalar na cidade, ela e sua família colhiam muitos bacuris, tucumãs, murucis, faziam óleo, vendiam e também se alimentavam.

Edmilson Beltrão

“No início eu cheguei a defender os arrozais, achado que nao a ter muito impacto, que a gente ia ser beneficiado. Mas, depois que abriram os drenos, os lagos estão sendo aterrdos e os peixes sendo mortos e desaparecendo”, conta o pescador Edmilson Beltrão.

Sem ajuda municipal nem estadual, a população de Cacheira do Arari agora espera que o novo Ministério do Meio Ambiente escute suas vozes e lhes socorra.

ALINE BRELAZ, especial para o portal Uruá-Tapera (texto, fotos e vídeos)

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