Publicado em: 17 de novembro de 2024
Aproveitarei esta jornada dominical tão especial para compartilhar um pouco de uma leitura deliciosa, sobretudo para quem, como eu, tem curiosidade de olhar um pouco pelas frestas indiscretas do tempo e observar o passado.
Vamos falar de forma leve, e apenas um pouco, sobre conceitos que envolveram a noção de nobreza entre os gregos antigos? Nossas máquinas do tempo serão as memórias de Werner Jaeger e Aristóteles. Eu li, agora conto um pouco para vocês.
Entre os gregos, a educação cumpria o papel de integrar a própria tradição e se revestia de importantes imperativos da moral coletiva interna: honrar aos deuses, honrar pai e mãe e respeitar os estrangeiros; e preceitos da moral coletiva externa: regras de prudência para a vida, transmitidas via oral séculos afora.
Consequência lógica da aquisição de conhecimentos e saberes é o surgimento da classe aristocrática na Grécia primitiva. A elevação moral pela educação faz nascer a ideia de um ser superior: espécie de nata social distinta dos demais.
Esse homem deverá encarnar a aristocracia local, que é, naquele tempo, a classe mais espiritualizada de uma nação. Mais tarde, na Grécia, essa formação mais elevada do espírito receberá uma sigla: Paidéia, que está relacionada à educação e à consciência pedagógica da nobreza.
Outro tema importante sobre a formação da aristocracia na Grécia é a ideia de arete. Em língua portuguesa, seria algo equivalente à palavra virtude, e estava relacionada, na Grécia, ao ideal cavaleiresco, a uma conduta cortês distinta e ao heroísmo guerreiro. A arete é a unidade superior que reúne todas as características de excelências humanas.
A Ilíada e a Odisséia, de Homero, são o registro mais antigo da cultura aristocrática entre os gregos. Para Homero, arete designa a excelência humana e a superioridade de semideuses. A arete é um atributo próprio da nobreza: não há aristocrata ou nobre, quando não há excelência de caráter.
Nos relatos homéricas, a arete também está ligada à força física e à força de caráter, mas está para além disto! A Odisseia exalta sobretudo a astúcia e a prudência de Ulisses, seu personagem principal.
Em estreita síntese, arete tem o sentido predominante de atributo de um homem nobre, que, tanto na vida como na guerra, rege-se pelas normas corretas de conduta que não são inatingíveis pelos homens comuns. São as mais distintas virtudes inacessíveis ao homem vulgar, com as exigências de coragem e virilidade (arete varonil).
Nos poemas de Homero, a arete encarna o sentido de dever, como característica essencial do homem nobre e elevado. A distinção principal do homem nobre em face dos demais é o sentimento do dever e o orgulho por cumpri-lo.
Werner Jaeger ensina que o domínio da palavra expressa a soberania do espírito e é demonstrada na Odisséia como o contraste entre a virtude de Ulisses, que dominava a palavra e a astúcia; e a virtude de Ajax, homem de ação.
Um dos significados da palavra arete está relacionado à honra. Segundo Aristóteles, citado por Jaeger, a honra é a expressão natural da medida ainda inconsciente da arete. Homero declarou que a negação à honra por um homem seria a maior tragédia humana, de sorte que, para os heróis, a ânsia pela honra era um desejo insaciável.
A honra
Os gregos compreendiam a honra como a valorização pública da conduta nobre, entendendo-a como a aspiração pessoal ao ideal, ao suprapessoal, onde começa o valor, o heroísmo.
Uma personagem complexa e controvertida é Aquiles. Em nome de sua ambição pessoal, Aquiles se indigna contra os gregos e se recusa a prestar-lhes auxílio. A ambição pessoal de Aquiles à honra atenta contra o próprio ideal coletivo dessa experiência. A tragédia final de Aquiles na Ilíada talvez represente a moral pedagógica da abdicação do herói à sua pátria e à arete coletiva, que impulsionava a aliança dos aqueus contra Troia. Aquiles atirou-se na fogueira da vaidade pessoal.
Segundo Jaeger, a ambição pela honra não representa mais um grande mérito pelos gregos no decurso do tempo. Tornou-se mais ambição pessoal. Porém, nos tempos da democracia grega, ocorre novamente o reconhecimento público da honra na política dos Estados e na relação entre os indivíduos.
O ápice do reconhecimento da moral naqueles tempos se representa na palavra grega megalopsychos, que significa o homem magnânimo, na ética de Aristóteles.
A beleza
Jaeger diz que que a auto-estima de uma pessoa se externaliza na defesa dos amigos, no sacrifício pela pátria e na renúncia a bens materiais e a honrarias. Jaeger fala sobre o ideal aristotélico de beleza, sendo esta mais um desdobramento das virtudes do heroísmo.
Jaeger conclama a fórmula “fazer a sua beleza”, na qual se expressam todas as virtudes capazes de elevar os motivos íntimos da arete na cultura helênica: a subordinação a uma beleza mais elevada. Isto se presentifica, por exemplo, na luta dos heróis por gravar seu nomes na história e no trabalho dos poetas e legisladores pelo mesmo motivo: deixar para a memória histórica a criação imortal de seu espírito.
É sempre emocionante abrir um livro e, dentro dele, encontrar um portal aberto para viver algumas experiências do passado. Werner Jarger e de Aristóteles têm esse tom de contação de história e de roda de conversa. É sempre uma delícia bisbilhotar o passado pelas lentes deles!
Belo o conceito de arete…
Fontes:
Paideia: A formação do homem grego https://a.co/d/8Lgg2Ta
Ética a Nicômaco https://a.co/d/391XYlr
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