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Não é segredo que o governo Bolsonaro tem enorme simpatia por garimpeiros. Mas incluí-los na lista de povos tradicionais nem nos mais pavorosos pesadelos era cogitado. Pois além de agora ser real, a ideia constou na pauta na 11ª reunião do Conselho Nacional dos Povos e Comunidades Tradicionais (CNPCT), colegiado consultivo do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, que criou Grupo de Trabalho com prazo de um ano para decidir se os destruidores da Amazônia e de outros biomas terão esse status. O GT é composto por quatro integrantes da sociedade civil, um do governo federal, membros do Ministério Público Federal, Defensoria Pública da União e outros órgãos ainda não informados pela ministra Damares Alves.

O CNPCT é presidido por Carlos Alberto Pinto Santos Candidato, membro do Comissão Nacional de Fortalecimento das Reservas Extrativistas e Povos e Comunidades Tradicionais (Confrem). Ele garantiu que haverá consulta prévia, ampla, livre e informada, respeitando os direitos, a identidade e a cultura dos povos e comunidades tradicionais, que serão ouvidos, assim como pesquisadores, antropólogos e instituições. Garimpeiros, historicamente, perseguem, matam e oprimem essa população e obviamente não se enquadram no que determina a Política Nacional de Desenvolvimento de Povos e Comunidades Tradicionais.

Recentemente, quando centenas de balsas de garimpo ilegal formaram uma vila flutuante no rio Madeira, a cerca de 112 quilômetros de Manaus(AM), a imagem do Brasil mais uma vez se esgarçou perante a comunidade internacional. Mas o governo federal em hipótese alguma condena ou desestimula a atividade. Além do mais, há várias frentes parlamentares e de prefeitos que acham ruim a Polícia Federal, em operação, atear fogo nas balsas que fazem extração clandestina de ouro. E é do conhecimento geral que a atividade garimpeira tem sido responsável pela destruição de grandes extensões da Amazônia e resultado em violentos ataques contra povos indígenas, comunidades quilombolas e ribeirinhos.

A situação é tão dramática que a Norte Energia reforçou o esquema de segurança privada nas proximidades da Usina de Belo Monte por causa da crescente atuação de facções criminosas e garimpeiros ilegais. O efetivo da Força Nacional de Segurança e da Polícia Federal na região não consegue dar conta.

Marcelo Norkey, representante da Cooperativa dos Garimpeiros do Médio Iriri, no Pará, é um dos idealizadores da proposta de contemplar os garimpeiros com a classificação PCT, que começou a ser estruturada há dois anos. Ele justifica dizendo que é filho e neto de garimpeiros. E que garimpeiro trabalhava desde o tempo da escravidão para o rei de Portugal. A justificativa compete em assombro com a inusitada proposição.

O Movimento Amplo de Resistência ao Desmonte da Política Socioambiental (Maré Socioambiental) declarou, em nota de repúdio, que “a possibilidade de reconhecimento desses setores econômicos” como povos tradicionais é “no mínimo, um insulto ao histórico de lutas de Povos e Comunidades Tradicionais, que tem o próprio CNPCT como uma de suas conquistas”.

“Evidencia-se que o garimpo e a pecuária são um dos principais setores responsáveis pela maioria dos conflitos socioambientais que afligem populações tradicionais”, aponta o documento.

Só de janeiro a agosto de 2021, a mineração desmatou 102,42 km2 na Amazônia, o equivalente a mais de 10,2 mil campos de futebol. Os dados são do Sistema de Detecção de Desmatamento em Tempo Real (Deter), do Instituto de Pesquisas Espaciais (Inpe). A área contabilizada nestes meses já era maior que o registrado em todo o ano de 2020, quando a atividade devastou 100,26 km².

De acordo com o próprio governo, há 28 segmentos de povos e comunidades tradicionais catalogados. São núcleos que têm nos territórios em que vivem e nos recursos naturais que utilizam a condição de sua existência e de sua identificação como “grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição”, nos termos do decreto nº 6.040/2007.

Não por acaso, despacho da Advocacia Geral da União, datado de 8 de novembro de 2021, enviado ao Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), propõe o uso de Unidades de Conservação de Uso Integral – em que o objetivo principal é a preservação da biodiversidade, sem uso direto dos recursos naturais – por comunidades tradicionais. O Brasil não é terra de amadores. E na política não existe coincidência. O parecer da AGU encontra ressonância na fala do seu ex-titular, André Mendonça, quando interpelado no Senado: ele justificou o desmatamento na Amazônia pela pobreza, na linha de combate através de regularização dessas situações de irregularidade. A questão é que não basta regularizar a atividade em si, é preciso dar um basta à violência, ao cometimento de invasões, assassinatos, abusos e exploração de crianças e adolescentes, contaminação dos cursos d’água, solo e ar, que são ameaça global.

Já existem instrumentos legais que tentam conciliar Unidades de Conservação e uso por povos tradicionais, nas Reservas Extrativistas ou Reservas de Desenvolvimento Sustentável.

 “Garimpeiros são como gafanhotos famintos, destroem tudo pela frente e em seguida vão para outro lugar”, resumiu o sociólogo e professor da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), Luiz Antonio Nascimento. Os povos tradicionais são aqueles que vivem na e da terra há séculos, como ribeirinhos, caiçaras, caboclos, indígenas e quilombolas. “Estes usam as terras, os recursos naturais e o meio ambiente como um todo de forma sustentável”, acrescenta o sociólogo, para quem o garimpo é por natureza degradador e insustentável. “Não há um único lugar em que o garimpo deixou algo além de miséria, doenças e degradação social e ambiental”, fulmina.

O CNPCT foi criado pelo Decreto n 8.750 de 9 de maio de 2016 e está presente na estrutura da Secretaria Nacional de Políticas da Promoção da Igualdade Racial (Seppir), do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, comandado pela ministra Damares Alves. O conselho tem atribuição de fortalecer e garantir os direitos dos povos tradicionais, propondo conferências, coordenando, acompanhando e monitorando a implementação e a regulamentação da Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais.

Confiram o rastro de destruição que o garimpo deixa, nas fotos e vídeos.

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