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O UNICEF divulgou nesta quarta-feira (3) um documento de referência que reúne, pela primeira vez, as evidências científicas mais atualizadas sobre os efeitos do consumo de alimentos ultraprocessados na saúde de crianças e adolescentes em todo o mundo. A publicação, intitulada “Alimentos Ultraprocessados e Crianças – Uma revisão atualizada” (tradução livre), foi publicado  poucos meses após o lançamento, pela revista The Lancet, de uma série especial dedicada à relação entre ultraprocessados e saúde humana. As duas iniciativas foram apresentadas em Brasília, durante evento realizado na sede da Fiocruz, do qual o UNICEF participou ao lado de pesquisadores e representantes de organismos internacionais.

Elaborada por especialistas de diferentes países, a revisão sistematiza o conhecimento disponível sobre os impactos dos ultraprocessados no desenvolvimento infantil e aponta que esses produtos desempenham papel central no desequilíbrio nutricional que afeta milhões de meninos e meninas. Entre as conclusões, estão as associações entre consumo frequente e aumento de casos de sobrepeso, obesidade, erosão dentária, cáries e deficiências nutricionais diversas. O documento também destaca evidências emergentes que vinculam a ingestão de ultraprocessados ao atraso no crescimento, à anemia, ao risco maior de desenvolver diabetes tipo 2 na vida adulta e a possíveis efeitos sobre a saúde mental.

Para o representante do UNICEF no Brasil, Joaquin Gonzalez-Aleman, a revisão global evidencia o quanto crianças e adolescentes estão expostos a ambientes alimentares nocivos e pouco regulados. Ele destacou que “se os adultos já sofrem com esse ambiente alimentar, as crianças e adolescentes são ainda mais vulneráveis”. O dirigente observou que ainda há menos estudos focados diretamente no público infantojuvenil, e que o objetivo do UNICEF ao reunir essas evidências é fornecer subsídios sólidos para políticas públicas capazes de proteger as novas gerações.

A publicação condensa pesquisas realizadas por instituições de referência, como a Universidade de São Paulo, o Instituto Nacional de Saúde Pública do México, a Universidade de Sidney e a Universidade de Gana. Os capítulos abordam desde caminhos para reformar sistemas alimentares e implementar políticas regulatórias até tendências observadas em regiões emergentes, com destaque para estudos sobre bebidas açucaradas, produtos destinados à primeira infância e respostas governamentais à escalada do consumo de ultraprocessados.

A revisão global foi lançada em um contexto preocupante. Em setembro, o UNICEF publicou o relatório “Alimentando o Lucro: Como os Ambientes Alimentares estão Falhando com as Crianças”, que revelou que a obesidade já superou a desnutrição entre crianças e adolescentes em idade escolar em escala global. O documento expôs a rápida substituição de dietas tradicionais por produtos industrializados, fenômeno que atinge inclusive países de baixa e média renda.

No Brasil, a mudança no padrão alimentar ocorre há décadas. Já antes dos anos 2000, a obesidade havia se tornado a forma mais frequente de má nutrição entre crianças e adolescentes brasileiros. Dados recentes ilustram essa trajetória: o percentual de meninos e meninas de 5 a 19 anos com obesidade aumentou de 5% em 2000 para 15% em 2022. No mesmo período, a desnutrição aguda caiu de 4% para 3%. A prevalência de sobrepeso dobrou, passando de 18% para 36%.

Gonzalez-Aleman reconheceu que o país fez avanços importantes, como a implementação da rotulagem frontal e a inclusão de medidas regulatórias na reforma tributária. Ainda assim, reforçou que é preciso enfrentar a pressão do setor industrial e fortalecer políticas públicas. Segundo ele, “a criação de ambientes escolares saudáveis, incluindo com a restrição da oferta e comercialização de alimentos pouco saudáveis nesses espaços, é uma frente prioritária para o UNICEF”. O representante disse acompanhar de perto a tramitação do PL 4.501/2020, voltado à proteção alimentar no ambiente escolar, e afirmou esperar que o imposto seletivo sobre bebidas açucaradas seja efetivamente implementado.

O anúncio da revisão global coincidiu com a apresentação, na Fiocruz, da Série “The Lancet: Alimentos Ultraprocessados e Saúde Humana”. No evento, os pesquisadores Carlos Monteiro, Patrícia Jaime e Phillip Baker, que também contribuíram para o relatório do UNICEF, revisitaram achados científicos que demonstram como a expansão dos ultraprocessados reconfigurou sistemas alimentares e impactou diretamente indicadores de saúde no mundo inteiro.

A atividade contou ainda com a presença de representantes de organizações multilaterais e de órgãos do governo brasileiro, entre eles Patricia Gentil, diretora da Secretaria Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional do Ministério do Desenvolvimento Social (SESAN/MDS); Jorge Meza, representante da FAO; Eliza Pietro Lara, coordenadora de Equidade e Doenças Crônicas da OPAS/OMS; Eliese Sousa, do WFP Brasil; além da chef e apresentadora Rita Lobo, reconhecida por sua atuação em educação alimentar.

Gabriella Florenzano
Cantora, cineasta, comunicóloga, doutoranda em ciência e tecnologia das artes, professora, atleta amadora – não necessariamente nesta mesma ordem. Viaja pelo mundo e na maionese.

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