Publicado em: 3 de dezembro de 2025
A mesa-redonda “Mulheres nas ações climáticas: gênero, transição justa e trabalho de cuidado”, promovida pelo Ministério das Mulheres no estande do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC), na Zona Verde da COP30, abriu espaço para um debate direto e contundente sobre desigualdades estruturais e o impacto das crises climáticas sobre meninas e mulheres. Entre as vozes mais atentas às vulnerabilidades amazônicas esteve a irmã Marie Henriqueta Cavalcante, presidenta do Instituto de Direitos Humanos Dom Azcona, instituição que, em suas várias ações, atua no enfrentamento das violações contra populações femininas e na denúncia de crimes invisibilizados nos territórios, principalmente no marajoara.
Em sua intervenção, ela fez questão de situar o trabalho da entidade que lidera, lembrando que Dom José Luis Azcona Hermoso construiu sua história na defesa de mulheres, homens e povos tradicionais, mas sempre com forte compromisso ambiental. Suas palavras reforçaram que o instituto “não só [atua] fazendo as questões sociais, mas também salvando o nosso planeta, salvando a nossa biodiversidade e gritando para o mundo inteiro o que era tudo”. Ela recordou que o foco institucional permanece voltado especialmente à proteção de meninas e mulheres, enfatizando que se trata de um enfrentamento que toca as estruturas mais profundas das desigualdades brasileiras.
Ao retomar essa dimensão, ela destacou que “falar de gênero, falar de raça, é a gente enfrentar várias estruturas”, sublinhando que não se pode reduzir o debate às situações pontuais de violência ou aos crimes derivados do racismo. Para ela, a superação dessas desigualdades exige uma luta que envolve igualmente homens e mulheres, e que precisa ser compreendida como prioridade de Estado.
O Instituto Dom Azcona, afirmou, tem atuado de forma contínua para proteger meninas e mulheres em regiões de difícil acesso tanto no estado quanto na Amazônia como um todo, priorizando ações de conscientização e de fortalecimento comunitário. Ela ressaltou a necessidade de “colocar meninas e mulheres, principalmente, em palco”, ampliando a visibilidade e a dignidade de quem convive diariamente com riscos elevados nos territórios mais isolados. Irmã Henriqueta alertou que, nessas regiões, a ausência do Estado torna as populações muito mais vulneráveis: “nós temos que dizer para o poder desse estado que nós precisamos sim dizer o que nós queremos e enfrentar o que maltrata a vida de tantas mulheres e meninas”.
Um dos pontos mais sensíveis da fala de irmã Henriqueta foi a discussão sobre exploração sexual e tráfico de pessoas, áreas centrais da atuação do instituto. Segundo relatou, “nos espanta cada vez que a ONU traz os dados”, lembrando que o país ainda não dispõe de estatísticas qualificadas capazes de dimensionar com precisão o número de meninas e mulheres traficadas para fins de exploração sexual. A ausência de dados confiáveis, observou, dificulta a formulação de políticas e agrava o cenário de impunidade.
Ao ser convidada a refletir sobre a inclusão histórica das mulheres no plano de ação da COP30, a ativista reconheceu a relevância da decisão. Para ela, “a COP não será COP se as mulheres não estiverem também sendo vistas e sendo prioridade”, reiterando que essa mudança representa um marco dentro das negociações internacionais.
Instada a comentar como essas decisões podem repercutir entre as mulheres do Marajó, irmã Henriqueta ponderou que os efeitos não serão imediatos. Segundo afirmou, “vai ser um processo”, mas alertou para o risco de que ações anunciadas em grandes fóruns internacionais não alcancem as áreas mais afastadas do arquipélago. Ela lembrou que o Marajó, “muito esquecido, muito abandonado”, reúne mulheres que vivem em localidades onde o alcance das políticas públicas é frágil ou inexistente. Nesse contexto, defendeu que “nós, mulheres, vamos precisar lutar para chegar onde as políticas não chegam”.
As intervenções da presidenta do Instituto Dom Azcona na COP30 sintetizaram uma crítica histórica: sem enfrentar o racismo estrutural, a desigualdade de gênero e a ausência estatal em regiões isoladas, as agendas climáticas não alcançarão as populações mais vulneráveis. A transição justa depende necessariamente da incorporação das perspectivas das mulheres amazônidas, especialmente daquelas que vivem fora dos centros urbanos e que, por décadas, têm sido ignoradas pelas políticas ambientais e sociais.
Assista a entrevista de Irmã Henriqueta exclusiva ao Uruá-Tapera:









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