Publicado em: 2 de dezembro de 2025
A frase se tornou um ditado popular que expressa uma decisão já foi tomada, uma ordem expedida, um fato consumado, uma oportunidade perdida ou um erro grave cometido, sem possibilidade de retorno. Quando é utilizada, reflete de imediato uma situação irreversível do ponto de vista fático, perante a qual qualquer ação no sentido de modificá-la, revela-se inútil.
Por incrível que pareça, essa expressão se originou numa tocante história de amor entre D. Pedro I, príncipe herdeiro de Portugal e dona Inês de Castro, nos idos do século XIV. A partir da tragédia que permeou esse relacionamento amoroso, seu significado é apenas um – de que não adianta fazer ou tentar fazer coisa alguma ou chorar pelo leite derramado, pois a situação não se reverte, o estrago já está feito, o que era possibilidade virou certeza, restando induvidoso ser tarde demais para resolver ou mitigar o problema.
A charmosa Inês de Castro era a dama de companhia predileta da esposa do príncipe D. Pedro I. Era filha de D. Pedro Fernandes de Castro, mordomo-mor do rei D. Afonso XI de Castela e da dama portuguesa Aldonça Lourenço de Valadares. Seu pai era neto, por via ilegítima, de D. Sancho IV de Castela, um dos fidalgos mais poderosos do Reino de Castela.
D. Pedro, herdeiro do trono português, casou-se com dona Constança, porém foi pela sua mais bela dama de companhia que ele viria a se apaixonar perdidamente, ficou por ela, como dizem vulgarmente, “arriado dos quatro pneus”. E esse proibitivo romance obviamente não foi aceito pela Corte, na conservadora Europa daquele tempo. E tamanho foi o incômodo daquele romance de alcova, que o Rei de Portugal mandou exilar dona Inês de Castro num distante castelo, situado nos limites da fronteira com a Espanha, esperando que o proposital isolamento operasse o efeito do esquecimento entre os dois, tentativa vã – diga-se de passagem – pois apesar nos limitados meios de comunicação daquele século, os amantes continuavam a se corresponder frequentemente, como de resto acontece nas melhores famílias da atualidade.
Com a morte de dona Constança, surgiu para D. Pedro a oportunidade de ouro de finalmente realizar seu sonho e desposar dona Inês, mesmo contra a vontade paterna. Por isso fez gestões no sentido de providenciar seu imediato regresso à Corte para com ela se unir, desta vez sem impedimentos, o que não foi suficiente para deixar de escandalizar a nobreza de Portugal, fazendo surgir aberta hostilidade entre pai e filho, pois era intenção do rei realizar o casamento do seu primogênito com uma dama da nobreza, de sangue azul, iniciativa solenemente repudiada por D. Pedro, que recusou incisivamente esse novo casamento de fachada, com alguém que não amava.
Do relacionamento dos dois amantes, visto pela nobreza como absurdamente irregular, resultou intensa prole (4 filhos), o que serviu para agravar ainda mais as já deterioradas relações entre o Rei e o Príncipe, exacerbada pela boataria da ameaça política dos fofoqueiros de plantão, que se dedicavam a especular quem seria desses rebentos o futuro herdeiro do trono, todos torcendo para que o Rei D. Afonso IV tomasse uma posição mais firme, drástica se fosse necessário, no sentido de pôr fim àquela incômoda e instável situação.
Essa oportunidade surgiu quando o Rei, aproveitando a ausência de D. Pedro em rápida viagem, foi pessoalmente com alguns fiéis escudeiros até onde se encontrava dona Inês e sem mais delongas, a executaram sem piedade, provocando sua morte, como era de se esperar, a profunda fúria e justificada revolta de D. Pedro contra D. Afonso IV, situação que perdurou até o falecimento deste último, quando então D. Pedro se tornou de fato e de direito o oitavo rei de Portugal em 1357, com o título de D. Pedro I.
Vendo-se legitimado no trono, fez o novo monarca o que toda pessoa vingativa faz com seus adversários, ontem ou hoje: perseguiu e matou de forma particularmente cruel e sofrida cada um dos assassinos de D. Inês, arrancando-lhes o coração antes do golpe fatal, escapando ileso apenas um deles, que conseguiu fugir para a França e já em seu leito de morte, anos depois, conseguiu ser perdoado pelo seu abominável crime. Consumada a vindita, D. Pedro mandou construir um imponente túmulo para D. Inês de Castro no mosteiro de Alcobaça, para onde trasladou o corpo de sua amada.
Reza a lenda que antes da inumação do corpo para sua definitiva morada, Dom Pedro I promoveu uma macabra cerimônia de coroação do cadáver, obrigando todos os nobres da corte, que antes a hostilizavam, a beijarem a mão sem vida do cadáver, como forma de submissão, desagravo e público reconhecimento de que ela fora um dia a verdadeira rainha de Portugal.
Outra lenda, tão improvável quando essa, diz que as lágrimas de D. Inês, vertidas quando estava prestes a ser assassinada pelo Rei e seus asseclas, formaram a Fonte das Lágrimas em Coimbra, no interior da Quinta das Lágrimas belo sítio cercado por jardins exuberantes e matas históricos (onde também existe a Fonte dos Amores) à margem esquerda do Rio Mondego, que nasce na Serra da Estrela e deságua no Atlântico junto à Figueira da Foz..
Com um tema propício a tantas especulações e usado popularmente para definir situações irremediáveis, a música popular brasileira não deixou por menos e a banda CE-040, concebeu uma música com essa temática, cuja letra se inspira no controvertido episódio da história portuguesa, aqui narrado:
“Agora é tarde, Inês é morta…
Cedo ou tarde, pouco me importa.
Depois, quem era essa Inês?
E o que foi que ela fez?
Ao menos não dessa vez,
Não quero ouvir clichês. Sou eu que vou dizer,
Querer pra mim é poder.
Posso chorar no leite derramado (…)”.
A expressão popular “AGORA, INÊS É MORTA” tornou-se também o nome de banda de punk paulista, que com sucesso, lançou um EP de 6 músicas e outro de 2 denominados INÊS É MORTA (em 2018); os EPs “Abismo” (em 2019); “Mentir” (em 2020), “Sozinha” (2021), “Espectro do Tempo” (em 2021), “Quarta Parede” (também 2021) e “Apogeu”, já no ano de 2022, quando felizmente foi superada a fase mais aguda da pandemia do Covid19, de triste, sofrida e desagradável memória para todos nós.




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