Publicado em: 20 de novembro de 2025
Nasci num lugar de fronteira identitária. Minha pele não era clara como a dos colegas, mas também não se encaixava nas imagens tradicionais da negritude. Meu cabelo liso e negro confundia expectativas e me colocava num limbo: “Você é o quê, afinal?” uma pergunta que carregava séculos de hierarquias raciais.
Busquei respostas ouvindo minha família. Pela minha avó materna, herdei a força de ancestrais africanos escravizados. Pela avó paterna, a memória indígena histórias, saberes e resistências. Percebi que eu era fruto de encontros improváveis, amores proibidos, de silêncios e de lutas invisíveis. Mas, fora da minha comunidade, eu não era considerado branco, nem negro, nem indígena. Era, para muitos, “um sem lugar”. Um preto de cabelo liso.
Foi preciso tempo para entender que meu corpo é território histórico. Decidi me autodeclarar afro-indígena. Não por moda ou conveniência, mas por consciência. A cada vez que eu dizia isso, surgiam olhares de dúvida: “não parece negro o bastante”, “não tem traços indígenas o suficiente”. Mas quem define o que é “suficiente”? Por que eu precisaria caber nos padrões de quem sempre impôs os rótulos?
Ser afro-indígena não é questão de aparência. É reconhecer a ancestralidade que habita em mim. É compreender que identidade não é mistura biológica, mas construção cultural, vivência, pertencimento. Assim como tantas comunidades amazônicas hoje se autoafirmam como afro-indígenas e a academia já começa a reconhecer essa categoria eu também afirmo minha existência.
Aprendi a ver minha identidade como um mosaico: cada traço, cada fio de cabelo, cada memória familiar é parte de uma obra maior que me antecede e me ultrapassa. As críticas continuam existindo, mas hoje elas servem de combustível. Sou resultado de entrelaços étnicos, sociais, afetivos, religiosos e culturais. Carrego histórias diversas e tenho, sim, o direito de ser plenamente quem sou.
A identidade não é um rótulo é a maneira como honramos nossas raízes. E eu honro cada ancestral presente no meu sangue. Sou afro-indígena. Essa é a minha verdade e o ponto de partida para os caminhos que ainda vou construir, como intelectual e como reitor de uma universidade amazônica.









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