Publicado em: 28 de setembro de 2025
Olhe pela janela: o que você vê? Pode ser o pôr do sol na Baía do Guajará, os túneis de mangueiras ou a arquitetura da Belle Époque Amazônica. Mas, junto a essa paisagem que enche de orgulho, o enquadramento também revela um retrato preocupante: a fragilidade da Câmara de Vereadores de Belém.
É comum conhecermos pessoas que se machucaram apenas caminhando por calçadas fora de nível, motoristas que se perderam diante de sinalizações confusas, ou ainda testemunharmos árvores arrancadas sem reposição. O caso mais recente talvez seja a iluminação cênica da Av. Presidente Vargas — luzes que confundiram motoristas, expondo a falta de bom senso e de normas claras para o uso dos espaços públicos, como já denunciado no Uruá Tapera.
Nessas situações, as críticas recaem quase sempre sobre a Prefeitura. Mas raramente se discute o papel do Legislativo, que deveria criar as regras para evitar improvisos urbanos e garantir intervenções seguras. Só esse aspecto já seria suficiente para revelar a fragilidade da Câmara, mas o quadro fica ainda mais grave quando olhamos para os números de sua produção:
De janeiro a agosto de 2025, foram aprovados 64 Projetos de Lei, sendo:
● 22 (34%) relacionados a políticas públicas.
● 17 (27%) instituíram datas comemorativas
● 25 (39%) destinaram-se a homenagens.
Ou seja, mais da metade foi consumida em simbolismos. E mesmo entre os 22 projetos de políticas públicas, os mais relevantes partiram do Executivo (12). Os vereadores apresentaram apenas 10, em grande parte corporativistas e até de impacto negativo — como a extinção do programa Bora Belém, que garantia renda mínima a muitas famílias de baixa renda.
Ainda assim, houve raras exceções positivas: o Domicílio Tributário Eletrônico, que moderniza a relação entre contribuintes e fisco, e a autorização de naming rights para espaços públicos. Os números também revelam a ausência de projetos sobre temas cruciais: mobilidade, drenagem, saneamento, calçadas e meio ambiente. Nada foi apresentado para dialogar com os alagamentos na Terra Firme, com a juventude do Tenoné sem políticas públicas, ou com os pedestres que tropeçam diariamente em passeios irregulares – o que é um sinal claro de crise de representatividade.
Enquanto outras cidades discutem enterrar fiação, padronizar pavimentação e planejar a mobilidade sustentável, Belém assiste a uma Câmara consumida por cerimônias e datas comemorativas.
Esse vazio legislativo preocupa ainda mais diante da revisão do Plano Diretor Urbano. Como discutir adensamento, habitação e saneamento se boa parte dos vereadores sequer legisla sobre problemas básicos? Será que estarão preparados para propor inovações estruturais quando chegar a hora?
Olhar pela janela de Belém não deveria ser apenas contemplar a beleza natural e arquitetônica. Também é perceber as ausências políticas refletidas na cidade: calçadas perigosas, sinalização confusa, espaços públicos precários. Esses sinais apontam para a necessidade urgente de uma Câmara atuante e representativa, capaz de transformar queixas cotidianas em leis concretas.
Melhorar Belém passa por melhorar a Câmara com vereadores que entendam a gestão urbana como eixo central de desenvolvimento humano, ambiental e social. Afinal, a cidade só avançará quando os problemas visíveis da janela se tornarem prioridades no plenário.
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