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Os manifestos literários foram formas utilizadas por correntes ideológicas para disseminar ideias e estratégias de conhecimento e informação à nova escola literária. Podemos dizer que os “manifestos são características dos movimentos de vanguarda, que despontaram na Europa no final do século XIX e início do século XX. Na vigência dos debates modernistas, os intelectuais brasileiros utilizaram essa forma textual para divulgar sua maneira de pensar e foram incorporados à vivência literária, quando o movimento já estava em curso, o que possibilitou ou pretendeu informar sobre a nova estética, a fim de promover sua aceitação e adesão.
   Na historiografia literária brasileira vemos, o manifesto nacionalista Pau-Brasil publicado em 1924, o manifesto regionalista de 1926 de Gilberto Freire, o manifesto Antropofágico de Oswald de Andrade em 1928 e o Nhengaçu Verde Amarelo de 1929 .
   No Norte brasileiro, os manifestos literários buscavam evidenciar a produção literária local com base em suas particularidades e objetivavam disseminar obras e autores ocultos diante da hegemonia do Sul e Sudeste do Brasil. Esses manifestos possuíam tom questionador, provocador e dissonante, suscitava desassossego diante da falta de atenção a Literatura produzida na Amazônia paraense e consequentemente intencionavam visibilizar o território diante de uma arte literária invisibilizada e marginalizada. Fato, marcadamente, presente na voz uníssona dos escritores paraenses. Expressões como “O Sul se esquece de nós “ do escritor Abguar Bastos no manifesto Flamin” Assu de 1927 e no mesmo tom no livro “crônicas de um poeta” de Georgenor de Souza Franco de 1986 que verbalizava que “o nosso Estado (Pará) nunca esteve atrelado a carro de bois”. Outra expressão é reverberada por Francisco Galvão no seu Manifesto à Beleza, “São Paulo está com nossas ideias”. Severino Silva potencializa essas discussões no primeiro número da revista Belém Nova, magazine marco do modernismo paraense, no pórtico com o título reacção corajosa, incentivando os escritores a reagir diante do que acontecia com a arte na região. Georgenor Franco é enfático no entendimento de que a literatura paraense possui autonomia e já formara grupos de debates sobre a nova arte.  Essas frases contidas nos manifestos, circulavam nos grupos de escritores paraenses que bradavam o espaço das letras amazônicas em um cenário colonialista sudestino.
       O escritor Abguar Bastos escreve e publica, na Revista Belém Nova, dois manifestos: À geração que surge em 1923 e Flamin’Assu, em 1927.  Estrategicamente, o primeiro já evidenciava uma geração de escritores que contribuíram para a ruptura com o passadismo e o segundo coloca em relevo as particularidades da escrita regional. Na poesia Arte Nova de 1920 Bruno de Menezes buscava já buscava uma “arte original”, mesmo antes da semana paulista de1922. Peregrino Júnior, relata que os movimentos literários aconteciam no Pará em um cenário cultural desde 1919 e, notadamente, na revista Efémeris, para ele, primeiro sinal do Modernismo no Brasil.  Esses são elementos suficientes para legitimar a atuação dos nossos escritores na consolidação de uma arte Literária e a ruptura com o colonialismo literário sudestino.
Na quarta edição da revista Belém Nova, Bruno de Menezes escreve um manifesto editorial com o título de “Para Frente!”, em que destaca os esforços coletivos dos intelectuais nortistas dentro do movimento modernista.  Na continuidade desse pensamento, Bruno de Menezes escreve outro manifesto, “uma reacção necessária”. Em consonância com esse pensamento, Abguar Batos lança o manifesto “À geração que surge” em 1923, é seu brado e dissonância em “um apelo de necessidade e independência” das letras nortistas, nele rejeitava os ditames provenientes do Sul e assumia sua “amazonicidade” contrapondo-se ao pensamento sulista. Com ideia questionadora, coloca em confronto o protagonismo do Sul em relação às outras regiões do país. É um texto que exprime o pensamento coletivo de escritores nortistas. O desagravo deste manifesto está na enunciação de uma literatura esquecida, mesmo diante de uma região que “tem força, tem filhos guerreiros e filhos altruístas”. Um discurso altamente político-literário. O sentimento de pertença e por vezes bairrista de Bastos à região e a sua arte literária são os estopins da batalha travada contra a literatura sulista, por isso, brada em seu manifesto: “Criemos a Academia Brasileira do Norte”. É um convite aos artistas e escritores do Norte brasileiro a aderirem a renovação literária. Para Bastos o “Pará, deveria ser “o baluarte da liberdade Nortista”. Transgredir o que estava instituído na perspectiva de que o “sul esquece de nós”. Por isso, era o momento, “a hora extraordinária de seu Levantamento”. Convoca a “mocidade”[os escritores] a experimentar um novo tempo, a ação libertadora da literatura, com dinamismo, patriotismo e renovação. Sua convocação, nesse manifesto, quer pôr fim ao estado de estagnação que a arte literária vivenciava, sobretudo porque “é chegada a hora extraordinária”. Era o momento de ressurreição. A literatura nortista, estava morta e precisava ressurgir. O convite de Bastos possui um tom altruísta, um estímulo aos escritores esquecidos do Norte. A proposta de buscar novos caminhos para escritores e suas obras estava na “Ressurreição dos homens de letras, homens de combate, homens de gênio”. No seu entendimento, a unidade entre os escritores colocaria a produção literária da Amazônia em circulação e com o reconhecimento de seus autores, uma vez que “O Sul, propositadamente, se esquece de nós”.  A construção metafórica impregnada no manifesto estabelece o espaço de atuação do seu autor e cria condições objetivas para o fazer literário, “Mostremos aos anêmicos de iniciativa”. Uma alusão aos escritores paralisados, os de “estagnação mental”.
   Para Bastos, essa paralisia literária terminaria, se, dinâmicas sociais, produções de livros e mudanças e incentivos a esses escritores fossem concretizadas, por isso, a “realização de concursos estaduaes” a movimentação em livrarias, uma forma de estabelecer a “justa recompensa ao nosso esforço, o prêmio à nossa tenacidade em prosseguir, pugnando pelo levantamento das letras nortistas”.  “O Norte tem poder, tem força, tem filhos guerreiros e filhos altruístas! O Norte tem os seus gênios, os seus estetas, os seus cientistas, os seus filósofos! O Norte é dinâmica!  É temperamento! É vibração! É intelectualidade!”.
      Indubitavelmente Abguar Bastos cria com seus manifestos a dinâmica cultural e literária que a região precisava ante a invisibilidade e colonialismo nas letras paraenses. Promove discussões sobre a nova arte e busca evidenciar o espaço amazônico como conteúdo para a identidade brasileira. Estabelece uma proposta estética para o Modernismo Brasileiro a partir da Amazônia. “baluarte da liberdade Nortista”.

Marcos Valério Reis
Marcos Valério Reis, graduado em Letras, especialista em Estudos Linguísticos e Literários, mestre e doutor em Comunicacão, Linguagens e Cultura, Pós doutor em Comunicacão e Teologia, é membro da Academia Paraense de Jornalismo e do Instituto Histórico e Geográfico do Pará.

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