A Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei 4381/23, de autoria da deputada Célia Xakriabá (Psol-MG), que estabelece medidas para o atendimento de mulheres indígenas vítimas de violência doméstica e familiar. O texto foi aprovado na forma de um substitutivo da relatora, deputada Juliana Cardoso (PT-SP), e agora segue para análise no Senado. O parecer foi lido em Plenário pela deputada Jack Rocha (PT-ES).
O projeto instaura procedimentos de atendimento, requisitos para as delegacias cumprirem as normas e direitos garantidos às mulheres indígenas. De acordo com a proposta, são consideradas indígenas aquelas que assim se identificarem em qualquer fase da apresentação da queixa, do procedimento investigatório ou do processo judicial. A deputada Célia Xakriabá destacou a urgência do projeto, citando o caso de uma mulher da etnia guarani kaiowá, morta nesta quarta-feira, 19 de fevereiro, com golpes de foice na cabeça. “Quando a mulher indígena é morta, a floresta e as águas morrem junto”, afirmou.
Um dos aspectos inovadores do projeto é a inclusão de tradução para 274 idiomas indígenas no Brasil, sendo o primeiro projeto de lei protocolado em duas línguas indígenas. O texto também determina que o atendimento às vítimas deve ser presencial, individualizado e respeitar suas crenças e valores, desde que não contrariem os princípios constitucionais. Sempre que necessário, deverá ser utilizado um intérprete, garantindo sigilo e confidencialidade das informações. O trabalho de tradução deverá ser, preferencialmente, voluntário e poderá ser realizado à distância com o uso de tecnologias de informação.
A proposta também garante que a mulher indígena vítima de violência doméstica e familiar seja recebida por um servidor capacitado, tenha direito de narrar os fatos sem interrupções ou constrangimentos e possa solicitar medidas protetivas de urgência conforme a Lei Maria da Penha. Além disso, poderá ser acompanhada por um familiar ou representante da comunidade, se desejar, e terá direito a orientação jurídica e psicológica.
O acompanhamento e a proteção também serão garantidos por meio de serviços de assistência social e programas de apoio. O texto prevê a adoção de medidas de proteção territorial em parceria com os órgãos responsáveis pela segurança das terras indígenas.
A Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), o Ministério Público Federal e a comunidade indígena envolvida poderão ser intimados para manifestar interesse na intervenção do caso, garantindo que a identidade social e cultural, costumes e tradições das vítimas sejam respeitados.
As delegacias poderão requisitar à Funai dados técnicos relacionados ao contexto sociocultural da vítima para auxiliar nos inquéritos. As ações de capacitação para os servidores das delegacias deverão contar com a participação de lideranças indígenas locais.
O texto aprovado também estabelece que tanto o inquérito quanto o processo judicial deverão levar em conta o contexto cultural das comunidades indígenas, incluindo seus modos tradicionais de resolução de conflitos. Os órgãos responsáveis pela implementação da futura lei deverão atuar de forma integrada com as comunidades indígenas para assegurar a efetividade das garantias previstas.
Outra medida relevante do projeto é a criação da Semana da Mulher Indígena, a ser realizada anualmente na semana do dia 19 de abril. Durante esse período, o poder público poderá (e deverá) promover iniciativas para conscientizar as comunidades sobre os direitos das mulheres indígenas e os mecanismos de proteção existentes. Entre as ações previstas estão a distribuição de materiais informativos traduzidos, caravanas itinerantes de serviços públicos, debates e seminários sobre violência contra a mulher indígena e a criação de cartilhas preventivas.
A relatora do projeto, deputada Juliana Cardoso, ressaltou a importância da inclusão de um intérprete nos atendimentos e da elaboração de relatórios antropológicos nos inquéritos para garantir um acolhimento adequado. “É mister envolver os povos indígenas diretamente interessados nas ações de capacitação dos profissionais responsáveis pelo atendimento”, pontuou. A deputada Silvia Waiãpi (PL-AP) também destacou que as alterações no texto asseguraram uma proteção efetiva e abrangente às mulheres indígenas em situação de violência doméstica. “Apesar de divergentes em posições políticas, chegamos ao melhoramento do projeto para que ele realmente garanta essa proteção em todas as instâncias”, afirmou.
Foto: Bruno Spada/Câmara dos Deputados
Comentários