É indiscutível que a dependência da tecnologia para realizar tarefas cotidianas tem crescido exponencialmente, principalmente na última década, e consequentemente suscitado debates sobre seus efeitos na memória humana. Não são raros os casos de pessoas que, mesmo acostumadas a conduzir há muitos anos em suas cidades, começam a se perder devido a falhas no GPS. Este fenômeno é frequentemente chamado de “amnésia digital” e descreve a tendência de esquecer informações que acreditamos estar armazenadas em dispositivos digitais.
Estudos mostram que o uso da internet pode alterar o desempenho em tarefas de memória, como a dificuldade em recordar rotas após o uso de GPS e que a confiança excessiva em dispositivos digitais para armazenar informações pode levar à diminuição da capacidade de lembrar dados por conta própria.
Agora, um artigo publicado pela revista Nature, discorre sobre como a revolução da inteligência artificial (IA) adiciona uma camada extra a este fato. Ferramentas como o ChatGPT podem potencialmente tornar as pessoas cognitivamente preguiçosas e até mesmo implantar memórias falsas. Andrew Hoskins, da Universidade de Edimburgo, observa que a IA está “reconstituindo um passado que nunca vivenciamos”, referindo-se ao uso de avatares digitais de pessoas falecidas.
A integração desses modelos de linguagem avançados em mecanismos de busca e outras plataformas, começa a levantar novas questões sobre o impacto da IA na memória e no aprendizado. Diferentemente das buscas tradicionais na internet, essas ferramentas podem fornecer respostas geradas em tempo real, o que pode influenciar a maneira como processamos e armazenamos informações. Há preocupações de que a dependência excessiva dessas tecnologias possa levar à preguiça cognitiva e à formação de memórias falsas.
A ideia de que a internet serve como um banco de memória externo ganhou destaque após um estudo de 2011, publicado pela Science e liderado pela psicóloga Betsy Sparrow. A pesquisa sugeriu que as pessoas são menos propensas a lembrar de informações que acreditam estar facilmente acessíveis online, fenômeno conhecido como “Efeito Google”. Isso se alinha ao conceito de memória transativa, onde indivíduos dependem de fontes externas para armazenar informações, aliviando a carga cognitiva.
Alguns pesquisadores, entretanto, questionam a robustez desses achados. Estudos subsequentes falharam em replicar os resultados originais, levando a debates sobre a extensão do impacto da internet na memória humana. Elizabeth Marsh, da Universidade de Duke, argumenta que alegações de que a tecnologia está prejudicando amplamente a memória são exageradas, enfatizando a complexidade da relação entre tecnologia e memória.
Voltando para a questão do GPS, a ampla utilização desses dispositivos para navegação é um exemplo claro de como a tecnologia pode influenciar a memória espacial. Estudos demonstram que indivíduos que dependem de GPS têm mais dificuldade em recordar rotas posteriormente. Um estudo de 2010 revelou que participantes que usaram GPS para navegar em um simulador de direção eram tão ruins em lembrar a rota quanto aqueles que nunca haviam percorrido aquele trajeto.
A prática comum de tirar fotos para capturar momentos importantes, que multiplicou de uma forma abissal com a acessibilidade a smartphones com câmeras, pode, paradoxalmente, prejudicar a formação de memórias desses eventos. O ato de fotografar pode reduzir a capacidade de lembrar dos objetos fotografados, pelo menos em determinadas situações, sugerindo que confiar na tecnologia para registrar experiências pode interferir na codificação e retenção de memórias.
Embora a tecnologia ofereça ferramentas valiosas para auxiliar na vida cotidiana, é fundamental reconhecer e mitigar seus potenciais efeitos adversos na memória humana. A dependência excessiva de dispositivos digitais para tarefas que antes exigiam esforço cognitivo pode levar à diminuição da capacidade de lembrar e processar informações de forma independente. Manter um equilíbrio entre o uso da tecnologia e o exercício ativo da memória é essencial para preservar a saúde cognitiva e a autonomia intelectual.
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