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O presidente Lula nomeou, ontem, depois de muitos meses de atraso, o presidente da COP 30, que vai ocorrer em Belém. E isso, aparentemente, é uma mensagem política ao governador do Pará.

Afinal, a nomeação ocorre em meio ao fato político mais significativo, na Amazônia, neste mês de janeiro: a ocupação da sede da Secretaria de Estado da Educação por povos indígenas, em protesto a um dos projetos de lei mais absurdos da história recente da Amazônia, a extinção da educação presencial nas comunidades tradicionais.

O referido atraso (na nomeação do presidente da COP, e não – embora igualmente… – nas políticas públicas) se deve ao fato de que havia intensa disputa, nos bastidores do poder, pelo cargo. É fato público e notório que o governador do estado disputava o posto, em função do prestígio que vem junto com ele. Nomes importantes do Governo Federal, como a ministra Marina Silva e o ministro Fernando Haddad, também estavam na disputa. Outros nomes no mundo político, igualmente, ambicionavam o posto. O presidente Lula e uma parte do governo, ao contrário, desejavam um nome técnico e que tivesse, igualmente, magnitude e legitimidade política.

E essa escolha prevaleceu. O presidente da COP 30 será o diplomata André Corrêa do Lago, um nome excelente – talvez o melhor, dentre os pretendentes ao posto. Afinal, ele desempenhou papel de negociador, representando o Estado brasileiro, em diversos eventos sobre o clima, as mudanças climáticas e as diversas questões ambientais, inclusive na Rio+20 e nas últimas reuniões do G20. Um nome técnico e com magnitude política, pois Corrêa do Lago foi embaixador do Brasil no Japão em 2013-18 e na Índia em 2018-23, além de ter servido nas embaixadas brasileiras de Madri, Praga, Washington e Buenos Aires. É um nome muito melhor do que qualquer outro do mundo político, pois sendo funcionário público de uma carreira de Estado que não permite, eticamente, a disputa político-partidária, constitui-se como a possibilidade de uma COP produtiva, ética e atenta aos horizontes que a motivaram: as questões climáticas e ambientais.

Quanto ao governador do estado do Pará, se há de convir que, em pleno ano de COP 30, não deveria haver espaço para propostas tão absurdas como a extinção do Somei – Organização Modular de Ensino Indígena – responsável pelo ensino médio presencial nas comunidades indígenas do estado, substituindo-o por um modelo de ensino à distância através de um certo Centro de Mídias da Educação Paraense (Cemep).

Trata-se de um erro social, cultural e político monumental, um dos maiores “tiros no pé” da história política do estado do Pará. Algo que deverá entrar para a história e que viraria anedotário de Sebastião Nery – o autor de vários livros sobre “folclore político” brasileiro, caso fosse vivo. E isso ocorre num cenário em que o governo passou a advogar propostas de extinção de órgãos responsáveis por diversas políticas sociais, como a de extinção da Fundação Cultural do Pará, da Fundação Paraense de Radiodifusão, com suas TV Cultura e Rádio Cultura, da Secretaria da Mulher, da Secretaria de Igualdade Racial e Direitos Humanos, da Secretaria de Esporte e Lazer, da Secretaria de Agricultura Familiar, da Fundação de Apoio para o Desenvolvimento da Educação Paraense, da Escola de Governança Pública do Estado do Pará, da Agência de Regulação e Controle de Transporte do Estado e do Núcleo de Gerenciamento do Programa de Microcrédito Credicidadão.

A impressão que se tem é que houve, de repente, um apagão da inteligência no Governo do Pará. Ou então que houve, de repente, a influência de alguém ou de instituições – algo forte, o suficiente, para permitir que o governo se deixasse levar, corroendo e desperdiçando seu capital político em pleno ano da COP 30.

Afinal, como é possível, de uma hora para outra, tentar reverter tantas políticas públicas sociais que se caracterizam, justamente, por uma aderência à imagem pública de um governo comprometido com as problemáticas socioambientais?

Segundo alguns interlocutores que tenho no Governo Federal, a ocupação da Seduc pelos povos indígenas, somada aos protestos que estão ocorrendo em todo o estado, quase estalaram os vidros do Palácio do Planalto. É como se Helder Barbalho tivesse tirado uma daquelas cartas de jogo de tabuleiro onde está escrito “recue dez casas”. E isso possibilitou o avanço de Lula e do PT sobre a pressão política que vinha sendo construída a partir do MDB a respeito da COP 30.

E, com o capital político desperdiçado, rapidamente Lula derrogou as ambições do Pará de presidir a COP 30 e nomeou o embaixador André Corrêa do Lago para o posto. A COP 30 agradece e a Amazônia também. Em coisa séria, não precisamos de políticos que desejam prestígio, mas sim de pessoas com capacidade intelectual, com presença efetiva no debate público e com habilidade para a negociação de alto nível. A COP 30 é muito importante para que seja ocupada por espectros políticos.

Vejam, eu sou um dos muitos paraenses que torciam para que o governo Helder Barbalho desse certo. Ainda que não partilhe dos horizontes políticos do MDB, reconheço o papel do governo Helder na luta contra o bolsonarismo, na disputa pela defesa da saúde pública e na própria eleição de um projeto de Governo Federal racional e comprometido com o desenvolvimento social e ambiental responsável. No entanto, o desmonte das políticas sociais e as políticas de aberturas ao capital estrangeiro seguem os passos do bolsonarismo no Estado do Pará.

Ocorre que houve esse apagão. Esse apagão de inteligência. Ocorre que houve essa mudança radical, essa perda de rumo, esse tiro do pé. Sim, alguns diriam: esse tiro no pé – que na verdade parece ser no próprio coração. De todo modo, é muito forte a impressão de que algo aconteceu.

Como amazônida, paraense, belemense, etc, eu teria – humildemente – um conselho a dar ao governador: mude o rumo. Urgentemente. Volte atrás, demita o secretário Rossieli Soares. Substitua seus assessores que estão fazendo o senhor entrar nesse caminho. Revogue esse projeto de lei. Valorize a experiência social amazônica, a pluralidade e a educação dialética – aquela que não tem “tutores” ou “mestres”, mas, sim, interlocução. Do jeito que está indo o senhor está construindo uma COP 30 marcada por protestos – uma COP 30 na qual toda a maquiagem em curso da cidade de Belém vai desbotar, molhada pela primeira chuva. Chega de provincianismo e do wookismo sempre colonialista das elites belemenses: vamos ouvir o que os povos tradicionais da Amazônia têm a dizer.

Fábio Fonseca de Castro
Fábio Fonseca de Castro é professor da Unversidade Federal do Pará e atua nas áreas da sociologia da cultura e do desenvolvimento local. Como Fábio Horácio-Castro é autor do romance O Réptil Melancólico (Editora Record, 2021), prêmio Sesc de Literatura.

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