Em maio de 2023, Gabriela da Silva, de Afuá, no Marajó, ao retornar da escola para casa, sofreu um acidente de escalpelamento, um tipo de lesão brutal que ocorre com frequência em embarcações da Amazônia, onde o motor exposto pode arrancar o couro cabeludo e parte da pele. Desde março deste ano, Gabriela tem sido atendida na Fundação Santa Casa do Pará, em Belém, onde recebeu atendimento médico especializado e passou por diversas cirurgias, além de um acompanhamento multiprofissional.
Para evitar que Gabriela e sua mãe, Keila da Silva, enfrentem o difícil e frequente deslocamento entre Afuá e Belém, a adolescente foi hospedada no Espaço Acolher da Santa Casa, uma unidade de apoio criada para amparar pacientes vítimas de escalpelamento, oferecendo assistência psicológica e social durante o tratamento. No último final de semana, Gabriela ganhou uma festa por seus 15 anos da equipe do Espaço Acolher, que se mobilizou para celebrar a data de forma especial.
O Espaço Acolher da Santa Casa, criado em 2006, destina-se a acolher vítimas de escalpelamento, um tipo de acidente recorrente nas comunidades ribeirinhas. Muitas embarcações locais, usadas como meio de transporte principal, ainda apresentam motores sem proteção adequada, expondo passageiros, em sua maioria mulheres e crianças, ao risco de escalpelamento.
Atualmente, o Espaço Acolher atende 18 mulheres vítimas de escalpelamento, todas residentes em comunidades ribeirinhas do Pará e adjacências, que necessitam de acompanhamento contínuo para tratar os ferimentos e lidar com o trauma físico e emocional resultante do acidente.
Para Luzia Martins, assistente social e coordenadora do Espaço Acolher, a festa de 15 anos de Gabriela foi uma celebração que teve papel fundamental na recuperação psicológica da jovem. “O Espaço Acolher, como o próprio nome sugere, é uma casa de acolhimento. Buscamos trabalhar a autoestima de todas as pessoas que estão aqui, sejam elas vítimas de escalpelamento ou não. Mas, especificamente com as vítimas de escalpelamento, temos realizado festas de aniversário mais elaboradas, porque toda menina sonha com uma festa de 15 anos. E agora a Gabriela teve a sua festa, um momento de celebração e confraternização, realizado pela equipe do espaço junto com nossos parceiros e colegas”, relatou Luzia.
Gabriela, inicialmente, relutava em celebrar. “Eu não queria a festa”, confessou a jovem, tímida, mas satisfeita. “Mas fiquei muito feliz, pois foi preparada especialmente para mim.” A mãe de Gabriela, Keila da Silva, além de acompanhar o acidente e o difícil tratamento da filha, vivenciou, neste ano, a perda de outro filho. Em meio a esse luto, a comemoração dos 15 anos de Gabriela representou um momento de alívio e gratidão para a família. Emocionada, Keila expressou sua gratidão pela iniciativa da equipe do Espaço Acolher: “É uma gratidão imensa ver a minha filha Gabriela comemorando os seus 15 anos. Não foi uma festa planejada. A gente estava pensando em algo em casa, mas, pelo acontecido, não houve. Então estou muito feliz; sou grata a Deus por isso e por todos aqui da Santa Casa. São pessoas amigas e queridas que eu vou levar para o resto da minha vida”, afirmou.
Acidentes de escalpelamento são um problema recorrente e grave nas áreas fluviais do Brasil, em especial na região amazônica. A ausência de proteções nos motores das embarcações expõe passageiros a riscos significativos, tornando a segurança das embarcações uma questão de saúde pública. Desde 2009, o governo brasileiro promulgou leis que exigem a instalação de dispositivos de proteção nos motores, mas a aplicação dessas medidas enfrenta desafios logísticos e culturais, especialmente em comunidades isoladas.
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