Os Jogos Olímpicos de 2024, em Paris, trazem uma mensagem um pouco “diferente” do que os atletas estão acostumados: o desempenho não é a única prioridade. Calma, não estamos falando das competições e sim de sexo. Quando se trata deste “esporte”, o prazer deve ocupar o primeiro lugar.
Embora o sexo não seja uma modalidade oficial nas Olimpíadas, Paris está preparada para intensas atividades em ambientes internos – o que, convenhamos, todo mundo sabe que acontece. A proibição de intimidade por causa da Covid que aconteceu durante as Olimpíadas de Tóquio foi oficialmente suspensa e uma grande compra de contraceptivos foi realizada. Durante uma coletiva de imprensa, os organizadores dos Jogos de 2024 anunciaram que duzentos mil preservativos masculinos, vinte mil preservativos femininos e dez mil barreiras dentárias* estarão disponíveis na Vila Olímpica, que receberá por volta de catorze mil e quinhentos atletas e colaboradores. Haverá também centros de testagem de saúde sexual no local.
A campanha por sexo seguro não é novidade em Olimpíadas. O recorde de distribuição de preservativos aconteceu no Rio de Janeiro, em 2016, quando a organização forneceu trezentos e cinquenta mil preservativos masculinos e, pela primeira vez, incluiu os femininos, distribuindo cem mil destes na Vila Olímpica. Mesmo em Tóquio, com a proibição de sexo, havia cento e sessenta mil preservativos gratuitos, acompanhados da instrução de que eram souvenirs, para serem levados e usados em casa, e não lá (nas camas de papelão recicláveis montadas para os atletas, que viraram meme nas redes sociais como “camas anti-sexo”).
A grande inovação está no fato de que, em adição à distribuição dos preservativos, os organizadores de Paris 2024 lançarão uma campanha de saúde sexual que, além do foco tradicional na segurança, defende o prazer e o consentimento, numa abordagem apoiada por pesquisas que ainda é rara em ambientes como as Olimpíadas. A iniciativa quer reescrever narrativas de medo e vergonha que tratam o sexo como tabu e promover o método positivo do sexo como fundamental para a autonomia sobre os direitos sexuais e o bem-estar, celebrando os benefícios físicos e mentais das experiências sexuais. Um estudo da Organização Mundial da Saúde e do grupo de defesa The Pleasure Project aponta que a educação sexual inclusiva do prazer é uma estratégia mais eficaz do que programas de abstinência e mensagens focadas em riscos, aumentando o uso de preservativos e aprimorando o conhecimento e a autoestima, essenciais para promover escolhas mais seguras.
O foco no prazer sexual nas Olimpíadas é uma resposta ao ataque que a educação sexual sofre em muitos países. Em 2024 o Estados Unidos teve um aumento significativo nas propostas restritivas de educação sexual a nível estadual, visando limitar o que pode ser ensinado nas escolas. No Brasil, a ONG Human Rights Watch apresentou, em 2022, um relatório intitulado “‘Tenho medo, esse era o objetivo deles’: esforços para proibir a educação sobre gênero e sexualidade no Brasil”, que analisa duzentos e dezessete projetos de lei apresentados e leis aprovadas entre 2014 e 2022 com o intuito de proibir explicitamente o ensino ou a divulgação de conteúdo sobre gênero e sexualidade, inclusive usando termos equivocados, como “ideologia de gênero”, usado por grupos extremistas para manobrar a opinião pública. Entrevistas com professores de escolas públicas de oito Estados revelaram um ambiente de medo e hesitação em abordar temas de gênero e sexualidade em sala de aula por causa dos esforços legislativos e políticos para desacreditar tais conteúdos. A discussão sobre educação sexual é um reflexo de um debate mais amplo sobre direitos humanos, igualdade e a luta contra a discriminação.
A fundadora do The Pleasure Project, Anne Philpott, em entrevista à CNN, elogiou a combinação da distribuição de preservativos com mensagens de prazer e consentimento: “até agora, o mundo da saúde pública não fez um bom trabalho em promover o sexo seguro”, disse Philpott, ressaltando mais uma vez que a maneira mais produtiva de encorajar o sexo seguro é focar no motivo pelo qual as pessoas fazem sexo e não nas consequências negativas.
*Post scriptum: Se, assim como eu, pensaste um sonoro “ham?” quando leste barreiras dentárias no começo da matéria, não te sintas sozinhe. Já deves ter visto algo do tipo: é uma folha de látex comum em consultórios odontológicos. Só que também funciona como um método para não contrair infecções sexualmente transmissíveis (ISTs) no sexo oral, pois evita o contato direto da boca com a área genital da(o) parceira(o), e vem ganhando popularidade nos últimos anos principalmente entre mulheres que se relacionam homossexualmente. O motivo da ignorância deve ser atribuído a uma clara desigualdade na promoção e disponibilidade de métodos de prevenção voltados para o público feminino.
A distribuição das barreiras dentárias nestas Olimpíadas é uma consequência da tentativa de equidade de gênero que Paris quis alcançar. Mesmo sem sucesso total na meta, é a edição que chegou mais perto da igualdade até hoje, com cerca de cento e cinquenta atletas homens a mais do que atletas mulheres, no geral. Em relação ao Brasil, temos motivo para comemorar: a nossa delegação é maioritariamente feminina, com com cento e cinquenta e três mulheres, 55% dos duzentos e setenta e seis atletas classificados.
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